Os problemas com os quais nos deparamos hoje são oriundos de um modo de vida que clama por transformações. Fala-se agora de uma nova disfunção: o pensamento acelerado. Tem quem, inclusive, considere o sintoma como uma síndrome. Contudo, de modo geral, o pensamento acelerado é algo que compartilhamos entre nós, podendo ser compreendido como a manifestação de uma vida que está em vias de degradação.
Falo que “compartilhamos” o sintoma, dado que o pensamento acelerado é mais recorrente e comum do que se pode imaginar. Parece estar correlacionado
No livro Sociedade do cansaço (2015), Byung-Chul Han, nos apresenta um outro modo de assimilar essa questão. Propõe que a nomeamos de violência neuronal. Para o autor, “cada época possui suas enfermidades fundamentais” (p. 7). Enfermidade que dizem do modo como se vive cada tempo, cada década.
Devido a isso, nosso século é definido como o século das doenças neuronais. Depressão, TDAH, síndrome de Burnout, e é claro, a ansiedade e o pensamento acelerado. Patologias, síndromes, sintomas que demonstram a turbulenta rotina com a qual nos deparamos diariamente.
O celular que ao primeiro sinal de bateria fraca nos faz correr a procura de um carregador. As mensagens no whatsapp que nos colocam em contato mesmo quando longe. A impossibilidade de ficar sem acesso as redes sociais e a ansiedade que isso nos gera. São informações que chegam o tempo todo. Parece não haver maneira de fugir disso.
Estar desconectado nos faz sentir como se estivéssemos perdendo algo.
Além de estarmos vivendo uma época marcada pelas patologias de ordem psíquica, Han, afirma que o século XXI é definido como o período da sociedade de desempenho. O que isso significa? Veja, sabe aquela ansiedade quando deixamos algo por terminar no trabalho e que nos acompanha quando chegamos em casa, inquietando o pensamento? O sentimento de obrigação e necessidade contínua de se aperfeiçoar, se qualificar, ser melhor em tudo que é possível ser?
Somos cobrados para que nossos corpos sejam perfeitos. Se fala até sobre “projeto verão” e sobre como ter um “corpo de praia”. Não obstante, somos incitados a participar de cursos, palestras, aprender novas línguas. Tudo isso com a justificativa de que precisamos nos atualizar, tal como um sistema de computador.
Percebam que essa ideia de qualificação e desenvolvimento pessoal não é algo que produz em nós um alívio, um encontro com aspectos da nossa existência. Definitivamente não é um passo rumo ao autoconhecimento. Ou mesmo, qualquer coisa que nos aproxime de nossas questões mais pessoais e urgentes, e que poderiam nos auxiliar na busca por uma vida mais saudável e menos intransigente.
É o oposto disso. Mais um modo que o sistema encontrou como forma de nos manter capturados, produzentes, focados em nossas vidas profissionais. O pensamento acelerado é fruto desse sistema, desse modo de viver a vida, como se ela estivesse sempre subjugada ao trabalho.
Exatamente por isso é que vinculamos a ideia de uma vida boa, de sucesso, com propósito, às conquistas profissionais. A vida contemporânea ganha expressão e sentido quando estamos realizados profissionalmente. O que é de ordem pessoal acaba ficando para depois. Mas o depois parece não chegar nunca.
Enquanto isso, as possibilidades não esgotam, mas nos esgotam…
Pensamento acelerado: sintomas da autoexploração
Nessa construção contínua e intensa de nos tornarmos uma versão melhorada de nós mesmos, não percebemos que nossas escolhas, iniciativas e projetos, são condicionados ao sistema da produtividade. Nos entupimos de cursos, vídeo-aulas, novos aprendizados. Descansar é verbo que quase não tem espaço na agenda do sujeito contemporâneo.
A depressão é resultado da exacerbação das possibilidades, tal como é com os transtornos de ansiedade. Adoecemos porque o corpo pede quietude. Para Han, “o excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade” (p. 30). A falsa liberdade de poder-ser, de poder escolher… Encoberta pela ideia do indivíduo multitarefa.
Não é por menos que parecemos nunca caber ou servir nas vagas de trabalho ofertadas atualmente. Falar várias línguas, formação acadêmica, especialização, nada parece ser suficiente, pois o mercado de trabalho cobra que sejamos melhores e mais eficientes. Nossos colegas de trabalho são, na verdade, nossos rivais.
Vivemos nessa incumbência de aperfeiçoamento contínuo, em razão de sentirmos medo de que alguém será mais ágil e mais qualificado que nós. Sem dúvida alguma, o sentimento de fracasso pode se tornar patológico. Inclusive, a depressão pode, por vezes, ser o sintoma patológico da ideia de fracasso em ser quem se é e ser o único responsável por isso. Assim como, a ansiedade pode ser uma patologia que diz sobre o esgotamento da mente, frente a todas as possibilidades de existir.
Todas as atividades humanas são voltadas para o trabalho. É por isso que adoecemos. As novas síndromes relacionadas ao esgotamento, demonstram que precisamos, urgentemente, parar, nos aquietar, sem culpa. Não há vida humana sem o mínimo de estado contemplativo.
Na contínua busca por adiarmos o fim do eu, voltamos a Krenak:
“As andanças que fiz por diferentes culturas e lugares do mundo me permitiram avaliar as garantias dadas ao integrar esse clube da humanidade. E fiquei pensando: “Por que insistimos tanto e durante tanto tempo em participar desse clube, que na maioria das vezes só limita a nossa capacidade de invenção, criação, existência e liberdade?”. Será que não estamos sempre atualizando aquela nossa velha disposição para a servidão voluntária?” (2019, p. 8).
Nossas vidas, quem somos, nossa identidade, isso tudo não pode se resumir ao trabalho ou ao currículo vitae. Existem experiências e encontros que não são oferecidos em cursos e palestras. São vivências que só se descobre com o ócio.
É preciso reaprender a descansar, a ficar em silêncio, a viver – mesmo que algumas horas – desconectado do celular, do que chamamos de “vida social” e que na realidade é uma vida paralela a presencial.
Não podemos mais ter medo de estarmos ociosos. Não podemos continuar a viver online o tempo inteiro. Reforço, é preciso reaprender a descansar e se desconectar… Caso contrário, ficaremos reféns de nós mesmos, de nossas infinitas possibilidades de melhorias…
Referências:
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petropolis, RJ: Vozes, 2015.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.