Vida online e offline: os impactos da era digital na saúde mental

Síndrome da Visão do Computador

Texto escrito em colaboração com Kelly Gomes – Psicóloga clínica, especialista em psicologia atendimento e intervenções on-line

As fronteiras entre o real e o ficcional estão cada vez mais comprometidas. O eu real, outrora ancorado na vivência offline, agora se encontra em constante interação com o eu digital, aquele que habita os espaços online. Diante de um mundo onde a tecnologia tece uma teia cada vez mais intrincada entre a realidade e a representação, a distinção entre esses dois eus parece diminuir, dando espaço a uma relação de complementaridade que redefine nossa noção de identidade.

A primeira evidência dessa dissolução das fronteiras entre o real e o digital é visível nas redes sociais, em especial no Instagram. Nessa plataforma, as pessoas buscam compartilhar não apenas momentos de suas vidas, mas também partes de sua intimidade. Essa exposição da vida pessoal é motivada pela busca incessante por experiências autênticas e genuínas, mesmo que, por vezes, o que vemos seja uma mera performance.

Em um cenário em que a busca por conexão e autenticidade guia ações e decisões, torna-se notável a evolução do conceito de identidade pessoal. A era digital proporciona um palco global onde as pessoas podem compartilhar suas vidas, opiniões e aspirações, redefinindo a maneira como se expressam e se relacionam.

O fenômeno das redes sociais exemplifica essa fusão de maneira gritante. Plataformas como o Instagram, que inicialmente serviam como espaços para compartilhar momentos do cotidiano, evoluíram para uma arena onde a linha entre o eu pessoal e o eu público é borrada. A busca por autenticidade levou ao surgimento do conceito de “influenciadores”, indivíduos que transformam sua vida em um espetáculo para atrair seguidores ávidos por experimentar um pouco daquilo que é mostrado, a partir da experiência como espectador.

No entanto, é preciso questionar a verdadeira autenticidade dessas representações. Muitos influenciadores cuidadosamente selecionam os aspectos de suas vidas que desejam compartilhar, criando uma narrativa que pode ser performada e editada para se adequar à estética e aos interesses de sua audiência. O que é apresentado como “real” nem sempre é uma reflexão precisa da vida offline; em vez disso, é uma encenação cuidadosamente elaborada para atender às expectativas virtuais.

A citação de Sibilia (2008) ressalta como essa mudança impactante está em jogo: “a vida real é convidada a se tornar um espetáculo, a ser executada no palco das redes sociais”. Nesse cenário, as fronteiras entre os eus real e digital começam a desvanecer-se, criando uma fusão onde a própria noção de autenticidade é colocada em xeque. A espetacularização da vida cotidiana torna-se um meio de conquistar seguidores, likes e, em última instância, um tipo de capital social.

É pertinente questionar se a linha que separa esses dois eus é realmente necessária ou se pode ser substituída por uma compreensão mais fluida e integrada da identidade. Afinal, ao tentarmos demarcar rigidamente o eu real e o eu digital, podemos perder de vista a riqueza da experiência humana na era digital. Em vez de resistir à fusão inevitável desses dois aspectos, é crucial explorar como eles podem coexistir de maneira mais saudável e significativa.

Tal exploração pode começar com uma análise sincera dos nossos próprios comportamentos online e offline. Você já notou diferenças marcantes entre esses dois estados? É provável que, em algum grau, a persona digital seja uma extensão do eu offline, mas é importante reconhecer até que ponto você está moldando conscientemente essa representação. Isso não implica necessariamente que você esteja sendo inautêntico, mas sim que está se adaptando a um novo ambiente de interação social.

Encontrar um equilíbrio entre essas duas dimensões requer autorreflexão constante. Ao se conscientizar das motivações por trás das postagens e compartilhamentos, é possível alinhar melhor a persona digital com os valores e a autenticidade do eu real. Em vez de se submeter a uma espetacularização cega, você pode escolher conscientemente os aspectos da sua vida que deseja destacar e compartilhar, sem comprometer sua integridade pessoal e sem moldar-se de acordo com o que dá mais likes. Dado que nossa sociedade é moldada por forças culturais e estruturais, e nossa interação com a tecnologia é parte integrante desse panorama.

Vida online: redes sociais e aumento da ansiedade

As redes sociais podem desempenhar um papel significativo no surgimento da ansiedade. Em um mundo cada vez mais digital, onde as interações online se tornaram uma parte integral da vida cotidiana, é crucial entender como essa dinâmica influencia nosso bem-estar emocional.

As redes sociais, embora tenham o potencial de conectar as pessoas de maneiras nunca antes imaginadas, também podem contribuir para o aumento de sentimentos relacionados a ansiedade devido a vários fatores. Um dos principais é a constante comparação social que ocorre nesses espaços virtuais. Ao percorrer feeds repletos de fotos cuidadosamente selecionadas e atualizações positivas, muitas vezes esquecemos que essas representações não contam a história completa da vida das pessoas. Essa comparação pode levar a uma sensação de inadequação, onde nos sentimos pressionados a alcançar padrões inatingíveis de sucesso, beleza e felicidade.

Além disso, a natureza da validação online também pode ser uma fonte de ansiedade. O número de curtidas, comentários e seguidores muitas vezes se transforma em uma medida de autoestima e aceitação. Quando nossas postagens não recebem a atenção esperada, isso pode gerar sentimentos de rejeição e desvalorização. A ansiedade pode se manifestar à medida que nos perguntamos por que não somos tão populares ou admirados quanto os outros.

A sensação de estar sempre “ligado” às redes sociais também pode aumentar os níveis de ansiedade. A constante disponibilidade para responder a mensagens, atualizar status e verificar notificações pode criar uma sensação de urgência e agitação. Isso pode dificultar a desconexão e o relaxamento, impactando negativamente na saúde mental.

A natureza instantânea e viral dessas plataformas significa que somos bombardeados por uma ampla gama de informações, nem sempre positivas. Isso pode levar a um aumento do estresse e da preocupação, especialmente quando nos sentimos impotentes diante dos problemas do mundo. Para minimizar esses efeitos negativos, é importante cultivar uma abordagem consciente no uso das redes sociais. É essencial estabelecer limites saudáveis para o tempo gasto nas redes sociais e praticar a desconexão regularmente.

Fomentar relacionamentos offline também é fundamental para combater a ansiedade relacionada às redes sociais. Investir tempo em interações cara a cara ajuda a criar conexões mais profundas e autênticas, reduzindo a dependência das validações virtuais. Além disso, é útil lembrar que é perfeitamente normal desconectar-se e não estar sempre disponível para responder imediatamente às mensagens online.


Referência: SIBILIA, P. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 218. Galaxia, p. 201-218, [s.d.].

Sugestão de conteúdo: Entrevista com Paula Sibilia – o show do eu

Eduarda Moro

CRP 06/182921
Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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