A vida adulta: pressão e comparação com outras vidas

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Ouço muito a comparação da vida adulta que vivemos agora para a vida adulta em que viviam nossos pais, há 30, 40 anos atrás. Com trinta anos meus pais já eram casados, tinham dois filhos, empregos estáveis e casa própria. Quase completando 31 anos não posso dizer que de algum modo me assemelho a realidade que eles viviam com a mesma idade, e estou longe de gabaritar suas conquistas. Muita coisa mudou de lá pra cá. Já não temos as mesmas preocupações, o estilo de vida e a relação com o trabalho mudaram muito.  

À medida que os 30+ vão somando aniversários, somos confrontados com um conjunto complexo de expectativas, pressões e mudanças sociais que impactam profundamente nossa jornada pessoal. Em um mundo em constante transformação, as estruturas sociais, econômicas e culturais têm contribuído para a complexidade das experiências de vida adulta, tornando mais difícil alcançar uma sensação de estabilidade emocional e financeira.

A ideia de alguns teóricos, como Deleuze e Foucault, sobre a sociedade de controle é particularmente relevante nesse contexto, pois nos levam a compreender como as estruturas disciplinares do passado, que moldavam indivíduos por meio de regras rígidas, deram lugar a uma sociedade em que o controle opera de maneira mais sutil e difusa. Na vida adulta contemporânea, isso se manifesta através da necessidade constante de se adaptar, reconfigurar e se autogerir em um ambiente volátil e em constante mudança.

Um dos principais desafios que enfrentamos é a pressão para ter sucesso em todas as áreas da vida, incluindo carreira e relacionamentos pessoais. Nos desdobramos em diferentes papéis sociais: somos filhos, companheiros, amigos, trabalhadores, etc. E em todos eles sentimos a cobrança para desempenhar a função social da melhor maneira possível. Nossas vidas tem se baseado na ideia de que em tudo é necessário atingir a melhor performance, dado que a sociedade atual valoriza a ideia de ser multitarefa e produtivo em todos os momentos, o que pode levar a um estado de exaustão constante. A busca pela estabilidade financeira é uma preocupação subjacente a essa pressão, pois a precarização do trabalho e a incerteza econômica tornam difícil alcançar segurança material.

Além disso, a sociedade de consumo exacerba esses desafios. Somos inundados por uma cultura de consumo que nos lembra constantemente do que falta em nossas vidas, estimulando desejos insaciáveis e a constante busca por mais. Contudo, a busca pelo mais fica sempre nesse lugar da aquisição material e melhor desempenho profissional, poucas vezes buscamos mais quando o assunto é a saúde mental... E é claro que o resultado não poderia ser diferente, essa dinâmica de buscar padrões inatingíveis, e ser cada vez mais e mais produtivos, interfere diretamente em nossa estabilidade emocional, já que a comparação constante pode levar à insatisfação crônica e à sensação de inadequação.

A tecnologia também desempenha um papel central nesse cenário. Embora a conectividade digital tenha o potencial de criar redes de apoio e oportunidades de aprendizado, ela também contribui para uma cultura de autoexibição. As redes sociais, por exemplo, muitas vezes mostram uma versão idealizada da vida dos outros, levando à percepção de que todos os outros estão indo melhor do que nós, o que acaba por engatilhar sentimentos de ansiedade e angústia.

A flexibilidade exigida pela sociedade contemporânea também tem implicações profundas para os relacionamentos. A necessidade de se mudar para seguir oportunidades de carreira, a pressão para manter uma presença constante nas redes sociais e a dificuldade em encontrar tempo para o cuidado de si podem dificultar o estabelecimento e a manutenção de conexões profundas e significativas.

Nesse cenário, a busca pela estabilidade financeira também se torna mais difícil. A natureza do trabalho mudou drasticamente nas últimas décadas. Muitos jovens adultos enfrentam trabalhos temporários, falta de benefícios e uma sensação geral de precariedade. Isso não apenas afeta a estabilidade financeira, mas também contribui para um ambiente de incerteza que permeia todas as áreas da vida.

Como lidar com os desafios da vida adulta

Uma abordagem prática para lidar com os desafios diários dos 30+ é aquilo que já falamos por aqui: psicoterapia. Diferente do que pode-se pensar sobre a psicoterapia, ela não acontece apenas na sessão com psicóloga. Estar em processo terapêutico requer análise cotidiana e um olhar atento para si. Isso envolve cultivar práticas regulares de autocuidado, como meditação, exercícios, expressão criativa e tempo para relaxar.

Outra estratégia é buscar uma relação saudável com a tecnologia. Isso pode envolver períodos de desconexão, limitar o tempo gasto nas redes sociais e ser seletivo sobre as informações que consumimos. Ao reduzir a exposição a conteúdos que alimentam a comparação e a insatisfação, podemos cultivar uma visão mais realista e positiva de nossas próprias vidas.

Além disso, é importante repensar nossos valores e objetivos. A sociedade contemporânea frequentemente nos empurra em direção a padrões de sucesso que podem não estar alinhados com nossas verdadeiras aspirações e desejos. Ao refletir sobre o que realmente valorizamos e buscamos em nossas vidas, podemos tomar decisões mais conscientes e autênticas, mesmo que isso signifique desafiar as normas predominantes.

A vida adulta em uma sociedade complexa é repleta de desafios que requerem uma abordagem crítica e resistente. Em última análise, sempre é importante questionar a os ideais dominantes em voga, que sempre estão pautados por normas e regras sociais que na maioria das vezes não tem relação alguma com nossos valores, necessidades e aspirações. Ao reconhecer as pressões sociais e culturais que contribuem para a dificuldade de alcançar estabilidade emocional e financeira, podemos adotar uma postura mais consciente e empoderada na busca por uma vida que cria mecanismos para voltar-se para si.

É assim que concluo esse texto, com a intenção de fazer pensar sobre a necessidade de criarmos uma vida que entende o quanto pode ser frustrante tentar viver de acordo com as vidas que vieram antes que as nossas. Ou mesmo, como pode ser limitante viver de acordo com quaisquer outras vidas que não a nossa própria. Comparações só nos dizem do outro e não são justas, pois dificilmente abarcam a complexidade que cada vida-vida vive.

Eduarda Moro

CRP 06/182921
Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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