Texto escrito em colaboração com a Psicóloga Gabriela Costacurta (CRP 12/20823)
Constantemente escutam-se histórias sobre como os opostos se atraem. A extrovertida que desperta desejo pelo introvertido que não gosta de sair de casa. O homem nada romântico que se apaixona pela mulher que escreve cartas… Casais com estilo musical e hobbys totalmente diferentes.
Esses clichês são contados nos filmes, nos livros, na música, e na vida real, isso vez ou outra acontece. O que demonstra que, de fato, essa atração pode existir, mas em tempos de extrema polarização política, social e cultural, será possível manter uma relação com alguém de personalidade e crenças tão opostas?
Compreende-se, a partir da psicanálise, que uma série de aspectos inconscientes incidem na escolha de um par romântico, mas estes ficam no campo do não-sabido. Em seu Instagram, a psicanalista Ana Suy, diz que mesmo quando se é amado, ama-se sozinho, pois este é um sentimento que se dá pela fantasia.
Ainda, parafraseando Suy, “Quando se trata de amor não há adultos. Quem ama é sempre o infantil que nos habita”. A autora complementa dizendo que, mesmo que o amor nos infantilize, é esse amor infantil que nos permite a inclinação perante a quem desejamos. Só a partir desse lugar é que conseguimos suspender muitos de nossos mecanismos de defesa e se entregar a um outro, reconhecendo por vezes aquilo que nos falta.
Ao mesmo tempo, nesse jogo complexo com o outro-desejado, existe algo de muito narcísico acontecendo. Nossa subjetividade se constrói a partir das relações e paixões. E aquele por quem despertamos interesse, é percebido como uma imagem semelhante de nós mesmos.
Para a médica Izabel Rios[1] (2008), “inconscientemente, vejo no outro o que eu sou, o que eu fui, o que eu gostaria de ser ou o que eu gostaria de possuir. Quem nunca encontrou, alguma vez na vida, aquela pessoa perfeita que faz o coração pular de alegria?”
Ou seja…
Não se ama o outro pelo que ele é, mas pelo que é idealizado do objeto amado e, desta forma, ignoram-se suas faltas e falhas. Isso não demora a ser percebido, porém, é preciso ir além do estado de apaixonamento para nos darmos conta da totalidade do outro.
Desse modo, sim, podemos dizer que os opostos se atraem, visto que no campo do desejo são características físicas e da superfície da personalidade que nos chama a atenção no outro.
Até porque, precisa-se considerar que atração e relação (aqui, nos referimos a relacionamento amoroso)são coisas diferentes.
Os opostos se atraem, mas se relacionam?
Tomando como base a frase “os opostos se atraem”, é possível pensar que o outro poderia preencher aquilo que falta em si mesmo. Desta forma, a escolha seria feita visando uma complementaridade: busca-se no outro aquilo que se almeja ter, tornando-se uma unidade. Essa visão torna-se bastante limitada, ao restringir a escolha às características pessoais.
Caetano Veloso canta em “O Quereres”:
“Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou
Não te quero e não queres como és”
De certa maneira, a falta inscrita no psiquismo é preenchida com aquilo que há no outro, causando certa sensação de completude – sensação efêmera diante da imensidão dos nossos sentimentos e inseguranças. Diante da realidade, há uma quebra na fantasia. Ainda, segundo Ana Suy, “o amor não preenche os nossos vazios, mas dá contorno a eles”.
Então, o amor parte da atração, mas opera como uma construção. É preciso que cada um saiba sobre si, sobre seus limites e prioridades, compreendendo até onde se consegue sustentar estas diferenças.
Contudo, existem coisas que só se manifestam após um período de relacionamento. E se saber de si já demanda muito tempo, conhecer o outro naquilo que ele é, de fato, exige mais tempo ainda. Existe uma duração – que poucas sensações vividas, além do apaixonamento, conseguem nos fazer experimentar – da idealização do outro. Deste modo, não há como apressar as coisas.
A experiência do amor, do desejo e da atração demandam tempo e autoconhecimento. Somente no cotidiano da relação, que aquilo que construímos a nossa semelhança, e que na realidade, não corresponde à persona do amado, é que iremos assimilar o que restou do outro, por si só – depois de desagregar o que há de nós na imagem do amante, ou o que acreditamos nos faltar.
Sobretudo, amar e se relacionar exigem tempo e compreensão. Compreensão do que se é e do que se deseja. Compreensão daquilo que é o outro, e do quanto se pode prosseguir em relação quando se cinde com o outro-inventado e se descobre quem é o parceiro real.
É bonito, de um modo romântico e mágico, pensar que dois opostos se atraem. Apesar disso, a atração, que faz dois se juntarem, não nos parece algo passível de construção de uma relação saudável, principalmente quando esses dois são opostos na totalidade do eu, que habita em cada um.
O tempo é rei. E é justamente ele que nos mostrará isso. Atravessando dias e semanas experimentando o oposto. Refletindo sobre os planos que não fluem entre o casal, o posicionamento político divergente, quando um almeja ter filhos e o outro não. É nesse espaço, do tempo, que conseguimos nos afastar da idealização, e nos aproximarmos da materialidade relacional. Percebendo o que pode aquela relação, até onde é possível caminhar com o outro, mesmo enquanto um oposto.
O amor exige espaço para que as individualidades sejam manifestadas. Exige espaço e tempo, para que seja possível desprender-se de um amor narcísico e então entender o que fica, o que sobra, quando a atração vai se desmantelando e tornando-se outra coisa.
Talvez seja possível dizer, então, que não são os opostos que se atraem, mas sim, os dispostos. E principalmente, que os opostos podem até se compelirem, porém, a transformação dessa experiência em um relacionamento já é outra história…
[1]Leia mais em: https://www.scielo.br/j/icse/a/kYk5fRB4XmhKkHXLjSsj46w/?lang=pt