O que é meralgia parestésica?
A meralgia parestésica é uma neuropatia, ou seja, um transtorno do sistema nervoso. Mais especificamente, ela atinge um nervo na região anterior-lateral da coxa.
A palavra meralgia está construída por dois termos originários do grego: meros e algos. O primeiro significa parte e o segundo dor. Já parestesia é composta por para (se referindo a funcionamento anormal) e esthesia, que denota sensibilidade.[1]Grossman MG, Ducey SA, Nadler SS, Levy AS. Meralgia paresthetica: diagnosis and treatment. JAAOS-Journal of the American Academy of Orthopaedic Surgeons. 2001 Sep 1;9(5):336-44.
Essa condição clínica foi descrita em 1878 por Bernhardt (neuropatologista alemão) e depois renomeada em 1895 por Roth (neurologista russo). Por isso ela é também chamada síndrome de Berhhardt-Roth.
Vários nervos se projetam para o interior do corpo a partir da coluna vertebral. Um deles é o nervo cutâneo lateral femoral (NCLF). A função desse nervo é receber os estímulos sensoriais da parte anterior e lateral da coxa e levar esses estímulos ao cérebro, onde são interpretados[2]Patijn J, Mekhail N, Hayek S, Lataster A, van Kleef M, Van Zundert J. 20. Meralgia paresthetica. Pain Practice. 2011 May;11(3):302-8..
O nervo cutâneo lateral femoral deixa a coluna e faz um trajeto para a parte baixa do corpo. Partindo de algum ponto entre as vértebras lombares 1 e 3, o nervo cruza o osso ilíaco, passa sobre o músculo da coxa chamado sartório e se divide em dois ramos: anterior e posterior[3]Keegan JJ, Holyoke EA. Meralgia paresthetica: an anatomical and surgical study. Journal of Neurosurgery. 1962 Apr 1;19(4):341-5..
Se algum trecho desse nervo sofre um trauma físico ou está sob compressão, o nervo passa a transmitir impulsos nervosos de forma desordenada. Então, aparecem sensações desagradáveis.
Sintomas de meralgia parestésica
A maioria dos acometidos por meralgia parestésica relata um ou mais desses sintomas:
- Dor
- Dormência ou formigamento
- Coceira
- Queimação ou sensação de frio.
Geralmente o problema aparece em uma das pernas. Porém, em cerca de 20% dos pacientes pode ser bilateral. A intensidade das sensações pode variar entre moderada até altamente desconfortável a ponto de incapacitar o indivíduo a realizar suas atividades rotineiras.
Dores secundárias
Os pacientes podem ter dor secundária no quadril, joelho e panturrilha ao tentar modificar suas atividades para minimizar os sintomas.
Alguns portadores podem sentir dor também no joelho e na panturrilha. O motivo é que ao se movimentar, naturalmente o portador procura diminuir a dor colocando mais peso sobre outro músculo dos membros posteriores.
Posições que aliviam a dor na meralgia
Os sintomas podem ser exacerbados quando o quadril é estendido e os pacientes podem evitar ficar ereto ou podem ter dificuldade para dormir.
Sentar-se pode aliviar os sintomas em alguns pacientes, mas exacerbá-los em outros.
Eventualmente, pode não haver posição que forneça alívio.
Prevalência da meralgia parestésica
Esse problema costuma ser mais comum em adultos com idade entre 30 a 40 anos. Quando se trata da população como um todo, a meralgia parestésica aparece em 4,3 a cada 10.000 pessoas. Mas em se tratando de pacientes com diabetes, ela pode acometer 24,7 a cada 10.000 indivíduos[4]Parisi TJ, Mandrekar J, Dyck PJ, Klein CJ. Meralgia paresthetica: relation to obesity, advanced age, and diabetes mellitus. Neurology. 2011 Oct 18;77(16):1538-42..
Patogênese
Muitos casos de meralgia parestésica começaram a surgir em países desenvolvidos depois de 1970, época em que a laparoscopia foi introduzida. Essa técnica cirúrgica passou a ser usada em cirurgias de remoção de apêndice, de partes do cólon e de útero.
A suspeita é que o trânsito na região inguinal de artefatos cirúrgicos resultaria em algum trauma mecânico do nervo cutâneo femoral lateral. No entanto, mesmo em cirurgias convencionais (ortopédicas, parto por cesárea, retirada de hérnia e outras) pode ser que uma injúria seja inadvertidamente provocada no nervo.
Algumas condições e hábitos resultam em uma compressão do nervo cutâneo lateral femoral. Nesse caso existe um fator físico envolvido. Por exemplo, depois de se submeter a uma cirurgia bariátrica, a maioria dos pacientes perde peso.
Essa perda de peso pode predispor o paciente à meralgia parestésica. Isso porque a camada de tecido adiposo protetora da região da virilha diminui. Então, o nervo cutâneo femoral lateral está mais exposto a pressões mecânicas.
O excesso de peso ou mesmo o ganho natural de peso durante a gestação pode resultar em compressão desse nervo.
Outros exemplos de fatores que levam ao desenvolvimento da meralgia parestésica:
- Uso frequente de cintos e de roupas muito apertadas
- Lesão por cinto de segurança durante um acidente
- Desenvolvimento de tumor na região abdominal
- Diabetes não tratada
- Obesidade (Índice de massa corpórea acima de 30)
- Alcoolismo
- Hipotireoidismo
- Exposição frequente a chumbo
Causas mais raras de fatores de risco para meralgia parestésica, de acordo com a literatura médica[5]Harney D, Patijn J. Meralgia paresthetica: diagnosis and management strategies. Pain Medicine. 2007 Nov 1;8(8):669-77.
- Degeneração da sínfise púbica
- Dismetria de membros inferiores
- Em crianças – sarcoma osteóide, osteotomia pélvica e fraturas pélvicas
- Fatores metabólicos – intoxicação por chumbo
- Lepra
- Iatrogenia em procedimentos ortopédicos
O que é o nervo cutâneo femoral lateral?
O nervo cutâneo femoral lateral faz parte do plexo lombar.
Funciona principalmente como um nervo sensorial e sua composição varia entre indivíduos com várias combinações diferentes de nervos lombares que se originam de L1 a L3.
Classicamente, a meralgia parestésica é descrita como uma síndrome de disestesia ou anestesia na distribuição do nervo cutâneo femoral lateral
Os sintomas podem ser leves e resolver-se espontaneamente ou podem limitar severamente o paciente por muitos anos.
Diagnóstico
A meralgia parestésica, embora descrita há muito tempo, ainda se caracteriza por ser de diagnóstico desafiador.
O histórico do paciente, que é avaliado através das descrições dos sintomas e de seus hábitos, além do exame do local, é de extrema importância.
O motivo do nervo estar sendo comprimido, no caso dele não ter sido lesado, precisa ser elucidado. Então, o médico poderá solicitar exames com o objetivo de descartar patologias que estejam provocando a compressão.
Alguns dos exames são:
- Radiografia do quadril e da região pélvica
- Ressonância magnética
- Eletroneuromiografia
Eletroneuromiografia para meralgia parestésica
O exame de eletromiografia consiste na disposição de eletrodos na forma de pequenas agulhas na coxa e no quadril. É pedido que o paciente realize alguns movimentos curtos afim de que os eletrodos detectem os sinais emitidos pelos músculos.
No exame de eletroneuromiografia, alguns sensores são colocados sobre a pele do paciente. Em seguida, ele recebe pequenos estímulos elétricos que ativam nervos e músculos. A resposta dessas estruturas é registrada pelos sensores e avaliada posteriormente.
Outros exames para afastar causas secundárias
Outros exames que podem ser necessários para eliminar doenças:
- Exames de sangue para verificar se o paciente apresenta diabetes e/ou se uma gravidez ainda não percebida está em curso
- Ultrassom abdominal: em mulheres esse exame indica a ocorrência de endometriose e outros transtornos ginecológicos
- Ressonância magnética: é capaz de detectar tumores, processos inflamatórios
O exame de neurografia por ressonância magnética vem sendo desenvolvido e aperfeiçoado. Ele oferece uma imagem precisa dos nervos medulares. Segundo alguns estudos, a confiabilidade nos resultados atinge 90%. Porém, a rede de laboratórios de exames de imagens que o oferece ainda é bem restrita[6]Schestatsky P, Lladó-Carbó E, Casanova-Molla J, Álvarez-Blanco S, Valls-Solé J. Small fibre function in patients with meralgia paresthetica. Pain. 2008 Oct 15;139(2):342-8..
Após todas as alternativas serem descartadas, o exame que pode diagnosticar definitivamente a ocorrência de meralgia parestésica é o teste de bloqueio do nervo. Ao mesmo tempo, o desdobramento técnico desse exame corresponde a uma possibilidade de intervenção.
Com uma seringa, o médico injeta um anestésico em baixa concentração na região inguinal. Considera-se que o indivíduo é portador de meralgia parestésica se os sintomas cessam completamente dentro de 30-40 minutos.
Tratamento da meralgia parestésica
Estão disponíveis duas categorias de tratamento: conservador e cirúrgico. A maioria dos pacientes alcança uma melhora significativa ao se submeter ao tratamento conservador.
Tratamento inicial inclui
- Uso de medicamentos anti-inflamatórios
- Repouso e proteção da área
- Redução de atividades que podem comprimir o nervo
Opções de Tratamento Farmacológico para Dor Recorrente e Dor Crônica
- Antidepressivos: Os antidepressivos tricíclicos demonstraram ser eficazes no tratamento da meralgia parestésica. Esses medicamentos funcionam bloqueando os sinais de dor que são enviados ao cérebro.
- Opioides: Opioides, como a codeína, podem ser prescritos para reduzir a dor associada à meralgia parestésica. Esses medicamentos devem ser usados apenas a curto prazo e devem ser usados com cautela devido ao seu potencial de dependência.
- Anticonvulsivantes: Anticonvulsivantes, como a gabapentina e pregabalina, podem ser prescritos para reduzir a dor do nervo associada à meralgia parestésica. Esses medicamentos funcionam diminuindo a atividade das células nervosas que estão enviando sinais de dor.
- Tratamentos tópicos: tratamentos tópicos, como cremes de lidocaína, podem ser usados para reduzir a dor associada à meralgia parestésica. Esses medicamentos são aplicados diretamente na pele e podem proporcionar alívio a curto prazo.
Tratamento não farmacológico para Meralgia Parestésica
- Fisioterapia: A fisioterapia pode ajudar a fortalecer os músculos abdominais e restaurar a amplitude de movimento da área afetada. Exercícios como alongamento, fortalecimento e amplitude de movimento podem ajudar a aliviar a dor associada à meralgia parestésica.
- Acupuntura: A acupuntura é uma forma de medicina tradicional chinesa que envolve o uso de agulhas para estimular pontos no corpo. Isso pode ajudar a reduzir a dor associada à meralgia parestésica.
- Yoga: Yoga é uma forma de exercício que pode ajudar a alongar e fortalecer os músculos da área afetada. Isso pode ajudar a reduzir a dor associada à meralgia parestésica.
- Pilates: Pilates é uma forma de exercício que se concentra no fortalecimento dos músculos centrais. Isso pode ajudar a aliviar a dor associada à meralgia parestésica.
- Massagem: A massagem pode ajudar a reduzir a tensão e o estresse na área afetada. Isso pode ajudar a reduzir a dor associada à meralgia parestésica.
- Terapia de calor: A terapia de calor pode ajudar a reduzir a dor e melhorar a circulação na área afetada. Isso pode ajudar a reduzir a dor associada à meralgia parestésica.
- Terapia fria: A terapia fria pode ajudar a reduzir a inflamação e a dor associada à meralgia parestésica. O gelo pode ser aplicado por 15 minutos, em casos de dor aguda, na região anterior da coxa.
- Estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS): TENS é uma forma de estimulação elétrica que pode ajudar a reduzir a dor associada à meralgia parestésica.
Em casos de dor ou falha de tratamento – Bloqueio e infiltração para meralgia parestésica
O bloqueio de raiz nervosa é uma técnica de tratamento semelhante ao teste de bloqueio do nervo. Ela é um tipo especial de infiltração.
Nessa intervenção, o médico injeta na área pélvica um anestésico (associado ou não a corticosteroides, ou fármacos de outras classes). As infiltrações são realizadas em intervalos pré-definidos.
Vou precisar de cirurgia para meralgia parestésica?
Quando os sintomas não desaparecem com as técnicas do tratamento conservador, o que ocorre com baixa frequência, surge a possibilidade de cirurgia. Porém, ela se aplica somente aos casos de fator anatômico promovendo uma compressão do nervo cutâneo lateral femoral[7]Philip CN, Candido KD, Joseph NJ, Crystal GJ. Successful treatment of meralgia paresthetica with pulsed radiofrequency of the lateral femoral cutaneous nerve. Pain Physician. 2009 Sep 1;12(5):881-5..
A cirurgia não se aplica aos casos de trauma físico desse nervo. Esses casos ficam restritos à administração de medicamentos que aliviarão a dor e a alta sensibilidade.
Reabilitação de meralgia parestésica
Existem poucos estudos randomizados controlados na literatura.
Fisioterapia motora, com analgesia local (TENS, ultrassom, laser), exercícios de alongamento e fortalecimento são recomendados.
Ao avaliar a meralgia parestésica, os músculos a serem tratados incluem o músculo iliopsoas, o músculo reto femoral, o músculo sartório e o músculo tensor da fáscia lata. Esses músculos estão localizados na região do quadril e da coxa e podem ser tratados com terapia manual, alongamento e exercícios de fortalecimento para ajudar a reduzir a dor e melhorar a mobilidade.
Terapia manual, com manipulação local, para mobilização e manipulação da pelve, e liberação do reto femoral e iliopsoas pode ser realizado, associado a exercícios de alongamento para a musculatura do pélvica e do quadril. Exercicios de estabilização do core podem ser adicionados.
Referências Bibliográficas
↑1 | Grossman MG, Ducey SA, Nadler SS, Levy AS. Meralgia paresthetica: diagnosis and treatment. JAAOS-Journal of the American Academy of Orthopaedic Surgeons. 2001 Sep 1;9(5):336-44. |
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↑2 | Patijn J, Mekhail N, Hayek S, Lataster A, van Kleef M, Van Zundert J. 20. Meralgia paresthetica. Pain Practice. 2011 May;11(3):302-8. |
↑3 | Keegan JJ, Holyoke EA. Meralgia paresthetica: an anatomical and surgical study. Journal of Neurosurgery. 1962 Apr 1;19(4):341-5. |
↑4 | Parisi TJ, Mandrekar J, Dyck PJ, Klein CJ. Meralgia paresthetica: relation to obesity, advanced age, and diabetes mellitus. Neurology. 2011 Oct 18;77(16):1538-42. |
↑5 | Harney D, Patijn J. Meralgia paresthetica: diagnosis and management strategies. Pain Medicine. 2007 Nov 1;8(8):669-77. |
↑6 | Schestatsky P, Lladó-Carbó E, Casanova-Molla J, Álvarez-Blanco S, Valls-Solé J. Small fibre function in patients with meralgia paresthetica. Pain. 2008 Oct 15;139(2):342-8. |
↑7 | Philip CN, Candido KD, Joseph NJ, Crystal GJ. Successful treatment of meralgia paresthetica with pulsed radiofrequency of the lateral femoral cutaneous nerve. Pain Physician. 2009 Sep 1;12(5):881-5. |