Percepções acerca do processo de luto
Viver situações de perda é algo inevitável na experiência humana. Existe a crença ou tabu de que alguém perto de nós está adoecido e pode morrer, enquanto essa possiblidade pode parecer distante a quem a profere.
Essa sensação de imortalidade é ameaçada justamente quando a doença impede a continuidade da vida, rompendo então não apenas a barreira da saúde de modo geral, mas também a ilusão da infinitude do corpo.
Sendo assim, um acontecimento inesperado e fatídico é capaz de mudar o rumo das coisas proporcionando uma espécie de reviravolta, deixando a rotina às avessas fazendo com que cada ser humano lide de um jeito único.
Dentro do processo de luto, contextos de perdas e morte envolvem mudanças de comportamento. É comum grande parte das pessoas passarem por períodos de estresse como resposta de enfrentamento desadaptativa.
Introduzir o tema ainda na infância remete a dificuldade pelo fato do processo de negação que se passa.
Porém, dependendo do estágio de desenvolvimento que a criança de encontra, é possível conversar sobre o conceito de morte como algo que faz parte da vida.
Para os púberes, mesmo atravessando estágios de intensas mudanças fisiológicas e emocionais, a desorientação pela perda será bastante notável, mas também sucederá a tona questionamentos sobre a perenidade da vida.
No adulto observa-se que, quanto maior o apego maior será a dor da separação e por consequência a intensidade da dor.
O sentimento de culpa acaba estando presente. Por fim, na velhice apresenta-se certo grau de sabedoria.
Desse modo, indivíduos adaptados demonstrariam mais facilidade no manejo com processos de enlutamento.
Fatores que influenciam o luto
Também há fatores que influenciam a visão sobre o luto:
- A origem e interpretação acerca da perda;
- A qualidade da relação estabelecida com o ente querido;
- O lugar de ocupação do tema e da pessoa no ambiente familiar;
- As ferramentas para lidar com as situações adquiridas pelo enlutado;
- As vivências anteriores sobre perdas e morte;
- Os conhecimentos culturais e espirituais do ente querido;
- A idade em relação à morte;
- As demandas mal resolvidas antes do morrer;
- A noção daquilo que foi possível fazer durante a vida e as perdas secundárias e circunstâncias da terminalidade.
O luto engloba inúmeras respostas a uma perda significativa não idêntica a cada novo momento. Representa um período de retomada ao estado de equilíbrio perdido de saúde e bem-estar.
Como características em seus episódios são comuns ocorrer sofrimento agudo e dor psíquica, após horas ou dias seguida à perda, possivelmente aumentando entre 5 a 14 dias.
Tipicamente, a tristeza que advém do luto costuma durar de 1 a 2 anos. Todavia, isso não é uma regra e essa tristeza pode perdurar muito tempo ou até toda uma vida.
Pesquisas indicam que em torno de 2 meses é possível retomar a uma vida normal em média subsequente ao processo de luto elaborado. Já em casos extremos gerar transtornos depressivos e/ou transtornos ansiosos e mecanismos comportamentais de hipercompensação, evitação e resignição.
Sintomas normais do luto
Existem sintomas esperados no processo de luto normal:
Manual de Cuidados Paliativos/Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic, p.321-338, 2009.
- Sentimentos: tristeza, raiva, culpa, solidão, desamparo, choque, anseio, emancipação, alívio, estarrecimento, fadiga e ansiedade;
- Comportamentos: distúrbios de sono, distúrbios do apetite, hiperatividade, comportamento aéreo, isolamento social, sonhos com a pessoa que morreu, evitar lembranças do falecido, procurar e chamar pela pessoa, suspiros, choro, visitar lugares e carregar objetos que lembrem o falecido;
- Sensações Físicas: vazio no estômago, aperto no peito, nó na garganta, hipersensibilidade ao
barulho, falta de ar (respiração curta), fraqueza muscular, falta de energia, boca seca e sensação
de despersonalização; - Cognições: descrença, confusão, preocupação, sensação de presença e alucinações.
Fases de enfrentamento do luto
As fases de enfretamento do luto são subjetivas e dependem da individualidade de cada pessoa.
A psiquiatra Elizabeth Kübler Ross delineou cinco etapas presentes no processo de enlutamento e
situações de doença: negação, revolta, barganha, depressão e aceitação. Abaixo breve descrição:
- Negação: nega a ocorrência de que algo aconteceu ou de que é verdade;
- Raiva: externiza sentimentos de raiva, revolta, inveja e ressentimento;
- Barganha: crença de que poderia ter feito algo para mudar o fato ocorrido em troca;
- Depressão: reação apropriada ao sofrimento além de reflexivo e preparatório para a vida;
- Aceitação: amadurecimento sobre o processo de morte.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) considera que há uma
categoria diagnóstica importante para o processo de luto quando persevera no tempo, designado
Transtorno do Luto Complexo Persistente.
Para tal, foram postulados os seguintes critérios:
A. Experiência de morte de alguém o qual havia contato;
B. Sentimento de saudade prolongada;
- Pesar profundo e dor emocional relacionada à morte;
- Inquietação com o falecimento;
- Aflição frente ao contexto da morte do falecido;
C. Sofrimento reativo à morte:
- Hostilidade em admitir a morte;
- Provar descrença ou torpor das emoções perante a perda;
- Objeção frente memórias positivas do ente que faleceu;
- Desgosto e raiva direcionada a perda;
- Experiência de julgamento autodepreciativo de si sobre a morte e o falecimento;
- Esquiva exagerada de memórias acerca da perda;
D. Perturbação social/da identidade:
- Vontade de provar da morte para estar ao lado do ente falecido;
- Inconformidade no processo de confiança após a morte;
- Sentimento de solidão ou isolamento do mundo desde a morte;
- Acreditar que a vida não faz mais sentido devido vazio da ausência do ente falecido;
- Sentimento de confusão relativa à identidade e papel na vida;
- Descontento e desprezo na busca por tarefas desde a perda ou organizar atividades para o
futuro;
E. O sofrimento se demonstra clinicamente significativo a nível funcional nas áreas social, profissional
e demais que o indivíduo julga importante na vida;
F. A resposta ao luto é considerada desmedida ou incoerente com o que se espera para a idade,
costumes ou questões religiosas;
G. Luto Traumático: Luto associado a casos de suicídio ou homicídio onde há preocupações e
angústias constantes referentes à lembrança traumática da morte, envolvendo instantes da morte,
grau de sofrimento e natureza da morte.
O manejo emocional de situações de luto
As estratégias de enfretamento em situações de luto variam de acordo com o indivíduo e cultura.
A palavra Coping tem sido utilizada para designar justamente o movimento e grupo de ações em prol do
manejo do sofrimento e dor para superação em episódios de lamentação física ou psíquica.
Faz-se necessário a associação de uma rede de apoio, como elementos sociais: apoio familiar, crença religiosa ou culto espiritual. A elaboração do luto saudável é notável quando não há uma identificação ou sentimento de aceitação sobre a previsibilidade da morte.
No processo de luto algumas intervenções podem auxiliar no ambiente salutar de sensações
vivenciadas pelos membros da família, promovendo espaço de conforto e colaboração:
- 1) Minimizar o sentimento de irrealidade e propor a necessidade de tornar-se consciente da perda;
- 2) Propor a necessidade de expressar sentimentos mais comuns referentes ao processo de luto;
- 3) Incentivar a pessoa a retomar sua vida a diante com a ausência do ente querido;
- 4) Garantir o fortalecimento com o tempo de elaboração do luto individual a cada pessoa;
- 5) Participar de rituais funerais/memoriais que possibilite contato íntimo de lembranças e despedida.
O papel do psicólogo no processo de luto acontece na modalidade de Aconselhamento Psicológico
nas funções de prevenção e suporte.
Na Psicoterapia Cognitivo Comportamental, tal intervenção mostra-se importante e válida para situações traumáticas utilizando-se o modelo de processamento de
informações, no que diz respeito a: representações mentais e estrutura de respostas.
Ainda nesse sentido, o objetivo principal da Terapia Cognitivo Comportamental em situações de luto será verificar as preocupações vigentes e quais são os recursos disponíveis do paciente frente à perda repentina.
Algumas técnicas terapêuticas são utilizadas na vez de estratégias de cuidado: Resolução de Problemas, Automonitoramento, Treino de Habilidades Sociais, Estratégias de Coping, Restruturação Cognitiva, e Prevenção de Recaída.
A seguir, algumas técnicas terapêuticas mais usadas nesses quadros:
- a. Psicoeducação: explicar a estrutura da terapia e sinalizar os reveses negativos do comportamento do paciente;
- b. Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD): registrar os pensamentos em determinada
situação e então encontrar outra técnica, capaz de alcançar as crenças centrais; - c. Role-play: teatralizar uma situação em prol de novas maneiras de lidar e enfrentar com maior
funcionalidade; - d. Descoberta Guiada: revelar interpretações de teor profundo enorme baseada naquilo que foi dito
pelo paciente; - e. Dessensibilização Sistemática: descobrir os eventos que trazem mais ansiedade e aos poucos
incorporar comportamentos de confrontação de menor a maior situação ansiogênica.
Falando sobre a técnica propriamente dita, no processo terapêutico do luto, a Terapia Cognitivo
Comportamental fornecerá diversos instrumentos capazes de apoiar situações de sofrimento, uma vez
que, o terapeuta tem a missão de facilitar a expressão dos sentimentos e emoções do paciente
associados à perda, assim como nortear uma nova visão as qualidades de funcionalidade e autonomia do sujeito.
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