Meditação Mindfulness para Dor Crônica

O que é mindfulness?

Mindfulness é o estado de consciência plena do momento presente, sem julgamentos ou críticas. É a capacidade de estar atento e consciente de cada momento à medida que ele passa. Essa prática se originou do budismo e da meditação budista, mais de 2.600 anos atrás.

O Buda ensinou que o sofrimento pode ser causado não apenas pela dor física, mas também pela nossa reação a essa dor. Podemos treinar a nossa mente para controlar nossa reação à dor, mesmo que não possamos controlar a dor em si.

Por que praticar mindfulness para lidar com a dor crônica?

Existem evidências científicas de que a prática da meditação mindfulness traz benefícios mentais e físicos. Mentalmente, pode ajudar a aliviar o estresse, reduzir a ansiedade e melhorar o humor. Fisicamente, pode aumentar a energia, melhorar o sono e reduzir a dor crônica.

Essa prática tem sido eficaz no tratamento de várias condições de dor crônica, como dor lombar, fibromialgia, dores de cabeça, dor pélvica crônica e síndrome do intestino irritável.

Como a meditação mindfulness funciona?

cerebro e antidepressivo

A ciência mostra que a prática da meditação mindfulness leva a mudanças no cérebro. Estudos com ressonância magnética funcional (fMRI) mostram que pessoas naturalmente mais mindfulness apresentam menor sensibilidade à dor.

Além disso, pessoas que praticaram mindfulness por um curto período também demonstraram ativação de áreas responsáveis pelo controle de pensamentos e emoções. Essa prática pode promover a desconexão entre a área do cérebro responsável pela percepção da dor e áreas relacionadas à emoção, resultando em uma redução da dor ao longo do tempo.

Do ponto de vista psicológico, a dor pode levar ao medo e à catatrofização, o que aumenta a percepção da dor. Isso pode levar à evitação de atividades e generalização do medo, aumentando a incapacidade. A autoeficácia, isto é, a percepção da habilidade de gerenciar os sintomas, é crucial. Pessoas com alta autoeficácia se recuperam mais rapidamente de episódios agudos de dor.

Em termos neurológicos, a amígdala e o córtex orbitofrontal estão envolvidos na aprendizagem associativa do medo. A antecipação da dor ativa a rede de saliência, especialmente o córtex insular anterior e córtex cingulado médio. Quanto mais ativas, mais recursos cognitivos são direcionados à antecipação da dor.

O córtex cingulado médio também detecta conflitos cognitivos e emocionais. Quando a dor distrai da tarefa em questão, essa região sinaliza a necessidade de redirecionar a atenção, recrutando a rede frontoparietal de controle executivo. Pacientes com dor crônica muitas vezes têm menor atividade nessa rede, associada a mais catastrofização e ansiedade.

O córtex pré-frontal medial está envolvido na resolução de conflitos emocionais e pode contribuir para a extinção cognitiva do medo. Essa rede parece desregulada na depressão, frequentemente comórbida à dor crônica.

Diferença entre meditação mindfulness e relaxamento

As pesquisas mostram que os benefícios da meditação mindfulness são específicos para essa prática. Estudos compararam a meditação mindfulness com grupos placebos ou relaxamento, e os resultados indicam que a prática real de mindfulness leva a uma maior redução da dor em comparação com esses grupos. Além disso, a meditação mindfulness também demonstrou influenciar o sistema imunológico, reduzindo a inflamação, marcador associado a doenças como câncer e Alzheimer.

Como praticar meditação mindfulness?

relaxamento ansiedade

A prática de meditação mindfulness pode ser dividida em duas categorias: informal e formal. Na prática informal, você foca sua atenção plena na atividade que está realizando no momento. Na prática formal, você reserva um tempo específico para realizar a meditação.

A meditação mindfulness pode progredir em estágios, começando pela atenção à respiração e expandindo gradualmente a consciência para o ambiente e, posteriormente, para a compaixão.

Gerenciando dor com meditação

A meditação pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar as pessoas a lidar com a dor crônica ou aguda. Apesar de a meditação não eliminar a sensação de dor, ela pode ajudar a mudar a maneira como a dor é vivenciada. Através de técnicas de respiração, imaginação guiada e foco mental, a meditação pode reduzir o estresse associado à dor e promover um senso de calma e relaxamento.

Para começar a usar a meditação para lidar com a dor, é recomendável encontrar uma posição confortável, seja sentado ou deitado. Feche os olhos e comece a prestar atenção na respiração, inspirando profundamente pelo nariz e expirando calmamente pela boca. À medida que a respiração se torna mais profunda e regular, a atenção pode ser direcionada às sensações físicas associadas à dor.

Ao invés de reagir ou resistir à dor, a meditação ensina a observá-la com uma atitude de aceitação e curiosidade compassiva. A dor pode ser vista como ondas que sobem e descem, fluxo e refluxo. Ao visualizar a dor desta maneira, é possível desenvolver um senso de espaço ao seu redor, observando-a com calma, sem se identificar excessivamente com ela.

Técnicas de imaginação guiada também podem ser incorporadas à meditação para lidar com a dor. Visualizar uma praia ensolarada, com ondas suaves que sobem e descem na areia, pode promover sensações de calma e relaxamento que contrabalançam a dor. O sol aquecendo a pele, a brisa fresca, o cheiro e o som do oceano podem distrair a mente da dor.

À medida que a meditação se aprofunda, a atenção pode se voltar para partes específicas do corpo onde a tensão está armazenada. Enviando gentilmente a respiração para essas áreas, é possível relaxar e liberar a tensão muscular associada à dor. Com prática regular, a meditação pode ensinar novas maneiras de lidar e conviver com a dor crônica.

Pontos-Chave sobre Mindfulness e Dor

  • Várias revisões e metanálises indicam que intervenções baseadas em mindfulness podem reduzir as classificações de intensidade da dor em pacientes com dor crônica, com tamanhos de efeito pequenos a médios. Os benefícios são mais consistentes para amostras clínicas de dor[1]Reiner K, Tibi L, Lipsitz JD. Do mindfulness-based interventions reduce pain intensity? A critical review of the literature. Pain Medicine. 2013 Feb 1;14(2):230-42..
  • As intervenções baseadas em mindfulness podem ser particularmente úteis para a fibromialgia, uma condição hipotetizada como envolvendo sensibilização central. A mindfulness pode influenciar vias descendentes envolvidas na modulação da dor[2]Chiesa A, Serretti A. Mindfulness-based interventions for chronic pain: a systematic review of the evidence. The journal of alternative and complementary medicine. 2011 Jan 1;17(1):83-93..
  • Um breve treinamento em mindfulness (4 dias) reduziu a intensidade da dor em 40% e a sensação desagradável em 57% em um estudo. Isso sugere potencial como terapia adjuvante. No entanto, os benefícios provavelmente aumentam com maior experiência.
  • A mindfulness pode separar o aspecto sensorial da dor de seus componentes cognitivos/emocionais, como originalmente proposto para a redução do estresse baseada em mindfulness.
  • Imagens cerebrais mostram que a mindfulness reduz a ativação relacionada à dor no córtex somatossensorial primário e aumenta a ativação em regiões executivas como o córtex cingulado anterior, ínsula e córtex orbitofrontal.
  • A ativação de regiões corticais e subcorticais (talâmicas) permite a modulação de sinais sensoriais ascendentes antes da percepção consciente da dor.
  • A mindfulness provavelmente compartilha vias comuns de modulação da dor com outras abordagens cognitivas como distração, manipulação de expectativa e placebo. Mas é um estado induzido voluntariamente.

Ansiedade e Depressão Ligadas à Dor Crônica

Efeitos Ansiedade

A ansiedade e a depressão são condições comuns que afetam muitas pessoas que vivem com dor crônica. A relação entre dor crônica, ansiedade e depressão é bidirecional – a dor pode piorar os sintomas de ansiedade e depressão, e esses sintomas podem exacerbar a percepção da dor. É importante abordar todos os aspectos dessa complexa interação para um tratamento eficaz.

As emoções têm um propósito – elas nos dizem algo importante. Felicidade indica que as coisas estão bem, tristeza sinaliza perda, raiva aponta para injustiça e preocupação revela incerteza sobre o futuro. É normal sentir emoções contraditórias ao mesmo tempo, como gratidão e frustração. Chamo isso de “salada de frutas emocional”.

Precisamos validar nossas emoções, não suprimi-las. Quando uma emoção é invalidada, ela se torna mais intensa para chamar nossa atenção. É saudável sentir a gama completa de emoções humanas.

No entanto, se nossa “xícara emocional” estiver muito cheia, pequenos contratempos podem fazer com que transborde. É importante esvaziar a xícara regularmente, expressando e processando nossas emoções. Caso contrário, podemos bloqueá-las, perdendo a capacidade de sentir alegria.

Há um contínuo de saúde emocional. No topo, podemos funcionar normalmente apesar das flutuações. No meio, o estresse nos faz reagir excessivamente. Na parte inferior, há prejuízo significativo no funcionamento, indicando ferimento emocional ou transtorno mental. Nesses casos, o suporte profissional é essencial.

Ansiedade é caracterizada por tensão, pensamentos de preocupação e mudanças físicas. Ela existe para nos proteger, mas pode se tornar excessiva. As principais causas são incerteza e perguntas não respondidas, que criam um “disco riscado” na mente. Para lidar com isso, valide a emoção, foque no que pode controlar e busque suporte adicional se necessário.

Depressão envolve tristeza persistente e perda de interesse nas atividades. Pode estar ligada a lutos não reconhecidos pelas perdas resultantes de doenças crônicas. Quando perdemos nossa motivação, as coisas ficam mais difíceis de fazer, o que piora nosso humor. É importante distinguir entre sentir-se motivado e estar motivado. Podemos fazer coisas úteis mesmo sem vontade, o que melhora o humor. Atividades agradáveis liberam químicos cerebrais benéficos.

Em ambos os casos, apoio prático e emocional é crucial. Conexões significativas melhoram o gerenciamento da dor e do estresse. Se as relações próximas não puderem oferecer isso, busque grupos de apoio.

Lidar com a dor crônica é como subir uma escada, apenas para eventualmente descer por uma cobra – é um caminho irregular. Precisamos validar nossas emoções negativas para construir resiliência e continuar avançando.

Tenha autocompaixão e vá devagar. Comece rotulando suas emoções e reservando 5 minutos por dia para senti-las plenamente. Construa lentamente a confiança para se abrir com amigos de confiança. Obtenha ajuda profissional se a depressão ou ansiedade interferirem seriamente em suas atividades diárias. Trabalhando nessas áreas ao mesmo tempo, você pode interromper o ciclo vicioso e melhorar seu bem-estar geral.

Conclusão

A meditação mindfulness é uma prática eficaz para lidar com a dor crônica. Ela oferece benefícios tanto mentais quanto físicos, aliviando o estresse, reduzindo a ansiedade e melhorando o humor.

A prática também pode gerar mudanças no cérebro, resultando em uma redução da sensibilidade à dor ao longo do tempo. É recomendado praticar mindfulness diariamente e reservar um tempo dedicado à prática formal. Ao incorporar a atenção plena no dia a dia, é possível obter os benefícios dessa prática terapêutica e viver uma vida plena, apesar da dor crônica.

Referências Bibliográficas

Referências Bibliográficas
1 Reiner K, Tibi L, Lipsitz JD. Do mindfulness-based interventions reduce pain intensity? A critical review of the literature. Pain Medicine. 2013 Feb 1;14(2):230-42.
2 Chiesa A, Serretti A. Mindfulness-based interventions for chronic pain: a systematic review of the evidence. The journal of alternative and complementary medicine. 2011 Jan 1;17(1):83-93.

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM 158074 / RQE 65523, 65524 | Médico especialista em Acupuntura e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP. Diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).

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Dr. Marcus Yu Bin Pai

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CRM 158074 / RQE 65523, 65524 | Médico especialista em Acupuntura e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP. Diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).

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