Vida pós pandemia: o que ficou em quem ficou (parte 2)

vida pos pandemia

Continuando… Já é possível observar os efeitos psíquicos que a pandemia deixou em todos nós. Fala-se, inclusive, de uma segunda epidemia. Essa que, por sua vez, é de ordem mental.

Em 2 de março desse ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma notícia com título alarmante: “Pandemia de Covid-19 desencadeia aumento de 25% na prevalência de ansiedade e depressão em todo mundo”.

Mulheres e jovens são os que mais sofrem com questões de origem psíquica, segundo pesquisa da OMS. Os sintomas da nova “epidemia” são desde estresse pós-traumático, irritabilidade, humor depressivo, falta de perspectiva de vida, medo, sono desregulado.

Como sabemos, os sintomas relacionados ao adoecimento psíquico são, na maioria das vezes, sintomas silenciosos e quase imperceptíveis a quem está de fora, visto que são de ordem mental. O que dificulta ainda mais o auxílio a quem sofre com esse tipo de questão é justamente o silêncio.

A depressão, assim como outros transtornos psicológicos, ainda é um tabu social. Mesmo que o acesso a profissionais psiquiatras e psicólogos tenha se difundido nos últimos anos, enquanto especialidade essencial à saúde pública, o estigma atrelado a uma doença que não é física é de difícil assimilação e aceitação.

Com a saúde física e a vida correndo risco iminente de perecimento durante a pandemia, não é de se surpreender que nos deparemos agora com um índice elevado de novos casos de depressão.

Não que antes não existissem números que preocupassem em relação ao adoecimento psíquico em massa, mas o covid-19 nos faz compreender a saúde mental por um outro viés.

Falamos da possibilidade de enfrentar novas pandemias futuras, contudo, vivemos agora um outro tipo de epidemia. Uma que não possui relação com um vírus e que escancara nosso descaso com a saúde mental. A depressão é o mal do século.


Pós pandemia e o aumento de casos de depressão

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A pandemia nos colocou em contato com a vida, tal como colocou com a morte. Fomos forçados a pensar sobre o que foi, o que é e o que poderia vir a ser. É da vida que falo, é claro.

Tudo o que veio daí, as preocupações, pensamentos, angústias, e que ainda permanecem, mesmo agora no momento pós-pandemia, são reflexo e efeito de um sucateamento de um aspecto da vida que sempre foi negligenciado: a saúde mental.

Gastamos com barzinho, academia, viagens, roupa nova, tatuagem. É muito investimento que se faz para o corpo físico e a imagem pessoal. Contudo, quando o assunto é saúde mental, existe algo que nos impede de assumir esse compromisso com nós mesmos. E, quando acontece, o primeiro passo tende a ser o tratamento feito via medicação psiquiátrica.

O problema disso?

Gosto de propor a seguinte analogia: quando você tem uma ferida exposta, você coloca um band-aid em cima ou trata do ferimento?

A medicação sim é importante em muitos casos de adoecimento psicológico. Mas não deveria ser nosso primeiro passo rumo à busca pela saúde mental. Existem outras possibilidades, outro modo de tratar nossas feridas, que nada tem relação com remediar. Mas veremos isso em outro texto…


Epidemia de adoecimento psíquico: os perigos da medicalização do sofrimento

adoecimento psiquico

O que me preocupa quando falamos de epidemia de adoecimento psíquico é o modo como isso será tratado.

Todo diagnóstico é feito a partir da noção de normalidade. Ou seja, é preciso entender o que se considera “normal”, aceitável entre os parâmetros estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), antes de diagnosticar alguém com transtorno depressivo. Todo caso é um caso. Após esse diagnóstico é que é pensado o tratamento.

Porém, o que devemos considerar é que nosso sistema público de saúde está lotado, cheio de urgências o tempo todo. Por mais que existam muitos profissionais competentes e éticos nesses espaços, precisamos nos atentar aos casos em que angústias comunicadas no consultório médico se tornam prescrição de fluoxetina, por exemplo.  

A medicalização em massa é preocupante ainda porque reafirma a todos nós que o sofrimento psíquico deve ser silenciado e medicado.  

Em uma das aulas do doutorado, tive contato com um escrito que me fez pensar sobre os vários diagnósticos com os quais me deparei. Intitulado “Somos todos enfermos mentales?” (FRANCES, 2014), o livro discute a questão da psiquiatrização do sofrimento, na sociedade atual.

O autor inicia a obra narrando a seguinte situação: “[…] y me vi obligado a tomar partido […] en una batalla perdida por evitar que la normalidad se viese como un problema médico […]” (p. 10). A discussão, da qual fala Frances, deu-se com outros colegas psiquiatras, que assim como ele, auxiliaram na produção da terceira edição do DSM.

A preocupação que assolava o psiquiatra, era a de que as categorizações de transtornos psíquicos evoluíam rapidamente. Com isso, mais e mais pessoas poderiam ser enquadradas nos diferentes transtornos do manual, dadas as características genéricas destas categorias.

Veja, nem todos que possuem queixa de sintomas relacionados a depressão chegam a se consultar com um psicólogo ou um psiquiatra. Em muitos casos, o que acontece é que ao comunicar esses sintomas a um médico clínico geral, já é possível sair da consulta com uma receita medicamentosa.

Ou seja, o que poderia ser uma situação não-patológica relacionada a sintomas de ansiedade, tristeza, estresse, etc., se torna um diagnóstico psiquiátrico e é tratado como tal.

Um levantamento feito pelo Conselho Federal de Farmácias, detectou um aumento de 17% na venda de antidepressivos durante a pandemia no Brasil. Esse número não deve baixar tão cedo…

Não obstante, na contínua busca por remediar o que foge do considerado normal para as estatísticas, a angústia, os hábitos considerados excêntricos, a ansiedade que não é prejudicial, tudo isso pode acabar tornando-se transtorno psíquico se não começarmos uma discussão entorno da saúde mental.

A preocupante realidade é que, com o diagnóstico de novos indivíduos são, conjuntamente, produzidos novos pacientes. Ocasionando, em muitas situações, tratamentos psiquiátricos desnecessários. O que por sua vez pode resultar em uma verdadeira epidemia de transtornos mentais.

O momento pós-pandemia nos mostra que nossos corpos/mentes suplicam por um modo de vida diferente. Contudo, o que vivemos agora não é propriamente uma epidemia de saúde mental, o que há é uma medicalização massiva do sofrimento psíquico.


Referência: FRANCES, Allen. Somos todos enfermos mentales? Manifiesto contra los abusos de la psiquiatria. 1ª. Ed., Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ariel, 2014.

Eduarda Moro

CRP 06/182921
Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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