O paracetamol, também chamado de acetaminofeno, é um analgésico e antipirético com eficácia clínica comprovada há anos. É utilizado como tratamento de primeira escolha tanto no alívio de dores leves, como moderadas.
Por ser um medicamento de baixo custo, de venda livre, e com poucos efeitos adversos quando comparado com outros analgésicos, se tornou um medicamento popular. É muito utilizado no tratamento de cefaleias, dores musculares, cólicas menstruais, redução da febre, entre outros.
Apesar da sua popularidade, por se tratar de um medicamento, seu uso incorreto e excessivo pode provocar efeitos indesejados. A superdosagem desse medicamento pode levar a efeitos tóxicos, acarretando lesões hepáticas e renais graves, podendo chegar até mesmo à morte.
O paracetamol, que tem como seu medicamento referência o Tylenol, é comercializado em diferentes formas farmacêuticas, podendo ser administrado por via oral, retal ou intravenosa.
Ele é rapidamente absorvido no trato gastrintestinal e tem alta biodisponibilidade, não tendo significativa ligação com proteínas plasmáticas. Deve-se ressaltar que, ao ser administrado junto com alimentos, sua taxa de absorção diminui.
Quando administrado de forma oral, seu pico plasmático ocorre entre 45 e 60 minutos após a ingestão, sendo na forma líquida em 30 minutos. Seu tempo de meia vida é de 2 a 4 horas, podendo chegar até 12 em casos de superdosagem.
Em adultos, a dose terapêutica varia de 325 a 1000 mg, podendo ser administradas a cada 4 ou 6 horas, de acordo com a necessidade, sendo o limite máximo diário de 4 gramas.
Esse fármaco é biotransformado no fígado através das reações de fase I e II, e tem sua eliminação quase total por via urinária em até 24 horas.
Toxicidade do paracetamol
No geral, o paracetamol é um medicamento considerado seguro. No entanto, em doses elevadas podem acarretar danos sérios a saúde.
Esse fármaco é biotransformado pelas enzimas microssomais no fígado, e tem sua metabolização por meio das reações de fase I e II, através de três mecanismos (conjugação, sulfatação e oxidação).
Durante a via oxidativa, o paracetamol é degradado pelas enzimas citocromo P45, que produzem um metabólito altamente tóxico e eletrofílico chamado n-acetil-p-benzoquinonamina. Esse metabólito, em doses terapêuticas, liga-se à glutationa que está presente no fígado e forma compostos inativos que são excretados na urina.
No entanto, em casos de superdosagem de paracetamol (doses maiores que 4 gramas diárias), há modificações no metabolismo e excreção do fármaco, ficando as vias de conjugação e sulfatação saturadas, desviando então o processo metabólico para o sistema citocromo P450, ocorrendo um aumento na produção de N-acetil-p-benzo-quinona imina (NAPQI) ¾ um subproduto tóxico produzido durante o metabolismo do paracetamol ¾ e do consumo de glutationa.
Como há um consumo aumentado de glutationa, seus níveis podem ficar muito baixos, e quando isso ocorre o NAPQI livre exerce sua ação tóxica sobre os hepatócitos, ligando-se de forma covalente a proteínas intracelulares, ocasionando um processo de lesão e morte celular no fígado e nos túbulos renais.
Em intoxicações graves por paracetamol, a lesão renal está normalmente associada à lesão hepática. Diferentemente dos distúrbios hepáticos, que se manifestam de forma precoce, a insuficiência renal se torna visível apenas após cerca de uma semana da intoxicação.
Associação entre paracetamol e álcool
Alguns pacientes podem apresentar toxicidade ao paracetamol mesmo em doses terapêuticas. Isso é decorrente de diversos fatores, como genética, idade, comorbidade, uso de medicações e até mesmo hábitos de consumo, como a ingestão de bebidas alcoólicas.
Após a ingestão, o álcool é absorvido através da mucosa gástrica e intestinal, e seu metabolismo ocorre quase completamente no fígado, onde será oxidado através das enzimas álcool desidrogenase (ADH), catalase e CYP2E1 ¾ que é o principal componente do sistema microssomal hepático de oxidação do etanol e de outros medicamentos, como o paracetamol.
Estudos relacionam o consumo de álcool e a toxicidade do paracetamol, mesmo em doses terapêuticas. Desse modo, o uso concomitante desses dois compostos apresenta risco elevado. Em indivíduos etilistas, a dose terapêutica de paracetamol já pode causar lesões hepáticas.
Mas ao contrário do que se pode imaginar, o consumo agudo de álcool não aumenta os riscos de toxicidade pelo paracetamol, sendo um competidor pelo metabolismo oxidativo.
O que ocorre é que o álcool também é degradado pela enzima CYP2E1, o que faz com que a produção de NAPQI (o metabólito tóxico do paracetamol) seja diminuída, levando a proteção contra uma possível lesão hepática.
No entanto, o perigo da ingestão aguda ocorre quando os níveis plasmáticos de álcool caem, fazendo com que esse “efeito protetor” diminua e o organismo fique suscetível à toxicidade do paracetamol.
Ainda, etilistas crônicos possuem a produção excessiva de espécies reativas de oxigênio, ocasionando estresse oxidativo e lesões hepáticas, o que as deixam mais propensas aos efeitos tóxicos do paracetamol por já possuírem metabolismo hepático prejudicado.
Como o etilismo crônico afeta o metabolismo do paracetamol
O consumo crônico de álcool afeta o metabolismo do paracetamol através de dois mecanismos. O primeiro, impulsionando o sistema citocromo P450, através da enzima CYP2E1, que aumenta a conversão de paracetamol no seu composto reativo NAPQI.
O segundo mecanismo é através da depleção dos níveis de glutationa hepática, fazendo com que o organismo perca a capacidade de desintoxicação pelo excesso de NAPQI.
Esses dois mecanismos resultam na hepatotoxicidade do paracetamol até mesmo em doses terapêuticas, consideradas seguras.
Não obstante, etilistas crônicos costumam apresentar má nutrição crônica, outro fator importante ligado a toxicidade do paracetamol.
Uso seguro de paracetamol e álcool
Como ainda não é conhecida a dose mínima segura de paracetamol em pacientes que fazem uso crônico de álcool, é recomendado que se evite por completo o consumo do fármaco, principalmente durante a abstinência alcoólica, que é considerada o período com maior risco por conta da diminuição da concentração de álcool plasmática e aumento da quantidade de NAPQI.
Referências
Mezarobba, G; Bitencourt, R. M. Toxicidade do paracetamol: o álcool como um fator de risco. Unoesc & Ciência. v. 9, n. 1, p. 105-112, jan./jun. 2018. Disponível em: https://files.core.ac.uk/pdf/12703/235124317.pdf.