Acordei mais cedo do que precisava. Senti meu corpo tenso, como se estivesse se preparando para uma defesa, mas não entendi o motivo. Minha respiração parecia diferente, me sentia cansada mesmo tendo acabado de levantar da cama. Os pensamentos se multiplicavam com tanta rapidez que não conseguia focar em nada. Me mantive imóvel, não tinha força pra fazer nada além de respirar e mesmo isso parecia difícil.
Foi assim que descobri o que era ansiedade, ao viver o primeiro episódio de ansiedade da minha vida. O que viria a se repetir depois e me acompanhar por muito tempo…
Existe muita coisa escrita sobre ansiedade. Eu mesma, já havia lido e estudado muito material científico que detalhava cada sintoma. Mas tem coisa que a palavra deixa escapar. Tem coisa que só se entende vivendo. Entendi, após um episódio súbito de tensão e medo que, o que parecia ser um encontro com a morte, era, na realidade, a experiência física da ansiedade.
A ansiedade faz algo com a gente que não tem relação só com a cabeça, como costumamos pensar.
Aprendemos, no passar dos anos, que podemos localizar geograficamente uma dor.
Se o corpo é o lugar pelo qual navegamos, na geografia corporal e física, a ansiedade certamente seria localizada na cabeça.
Mas quem sofre com episódios e crises de ansiedade sabe, o corpo todo sente.
É através do pensamento que a ansiedade parece, primeiramente, ganhar expressão.
Às vezes chega devagar, como se fosse uma preocupação cotidiana… Mas também se manifesta pelos pés inquietos, o aperto no peito, enjoo, tremores…
O que se pode dizer com certeza é que a ansiedade não está localizada em um único órgão. Ela se espalha pelo corpo e é sentida em cada parte dele.
Por ser um assunto complexo, é importante esclarecer algumas coisas…
Quando a ansiedade é mais do que um sintoma
Você já sentiu medo antes de fazer uma prova, ou na hora de apresentar um trabalho? Já sentiu temor ante a uma discussão, ou quando algo deu errado no trabalho?
Esse tipo de sentimento, correlacionado a ansiedade, é mais normal do que se pode imaginar. Por isso mesmo é necessário fazer a distinção entre a ansiedade patológica – ou melhor dizendo, o transtorno de ansiedade – e a ansiedade enquanto sensação/sentimento, muito semelhante ao sentimento de medo e temor.
O sentimento de ansiedade muitas vezes pode estar interligado ao medo. A um medo objetivo, inclusive, como apontado nos exemplos anteriores. Essa sensação de temor pode se traduzir como estresse, e então ser sentido no corpo.
Diante de uma situação estressora, nosso cérebro entende que precisa se “defender”. Nesse momento é que ocorre uma liberação de hormônios em nossa corrente sanguínea, como por exemplo, a noradrenalina e o cortisol (veja mais aqui: https://www.ufmg.br/online/arquivos/015265.shtml).
Transtorno de ansiedade: quando é patológico se sentir ansioso?
Como já mencionado, sentir-se ansioso, temeroso, estressado, é relativamente normal em nosso tempo. Mas quando o sentimento de ansiedade toma proporções maiores e os episódios de preocupação e inquietação ocorrem de maneira mais frequente, causando danos na rotina e interferindo no bem-estar do sujeito, é necessário ficar atento.
Segundo estudo de revisão, publicado na Revista de Saúde e Ciências Biológicas, o transtorno de ansiedade generalizado (TAG)
“É caracterizado por apreensão ou preocupação excessiva com múltiplas questões do dia a dia. Pacientes com TAG também podem apresentar tensão muscular, hiperatividade autonômica, nervosismo, dificuldade de concentração, irritabilidade, distúrbios de sono, sudorese, náuseas, diarreia, cefaleia e respostas exageradas de sobressalto a estímulos geralmente inócuos, como o barulho. Para o diagnóstico, é requerido que os sintomas estejam presentes na maior parte do tempo, por, pelo menos, alguns meses.”
Importante atentar para algumas coisas. Primeiro, o transtorno é relacionado a mais de um sintoma, ou seja, o sentimento de ansiedade produz outras sintomáticas, como, dificuldade de concentração, nervosismo, etc. Segundo, a ansiedade patológica não possui associação apenas com questões objetivos, tal qual o temor diante de uma situação específica, real e concreta. Não gosto de usar o termo “real”, pois para quem sofre com isso, todas as preocupações e pensamentos intrusivos são sentidos de modo que parecem de fato existir, e serem possíveis de concretização.
É muito comum, nos casos de transtorno de ansiedade, que o sujeito sinta ansiedade relacionada ao futuro, a coisas que podem acontecer, uma espécie de sofrimento por e com a antecipação das coisas.
Das pessoas que conheço e que foram diagnosticadas com TAG, é recorrente ouvir coisas como: “e se isso acontecer? preciso estar prevenido”; “penso muito sobre o que vai acontecer comigo quando morrer, o que vou sentir, como vai ser”; “o que as pessoas vão pensar de mim?”. Uma maneira de pensar que é repleta de pensamentos negativos, que precipitam situações e que conduzem a um modo de vida que não está focada no presente, mas com a precipitação do futuro.
E, por fim, uma terceira consideração: a ansiedade se caracteriza como transtorno quando os sintomas descritos acima estão associados a um período prolongado e acompanhados de uma certa constância. O que obviamente produz sofrimento, dificultando as tarefas mais rotineiras.
“Acho que tenho transtorno de ansiedade, e agora?”
Bem, dada todas as considerações, é importante reforçar aqui que o sentimento de ansiedade é muito comum. Vivemos em uma sociedade que nos bombardeia com informações a todo momento.
O acesso a tecnologias rápidas, como o Whatsapp, por exemplo, modificaram nossa concepção de presença, de espaço e de tempo. Podemos fazer contato com alguém de outro estado ou país, verificar se a pessoa está online naquele momento, se visualizou a mensagem. Não percebemos, mas isso nos conduziu a um estilo de vida que está conectado a uma urgência.
A impaciência, o desassossego, a necessidade de querer resolver tudo o tempo todo, sem respeitar o tempo e o espaço – do outro e o nosso próprio – das coisas e da vida, logicamente resulta em sentimentos relativos ao estresse e a ansiedade.
Por isso mesmo é preciso prestar atenção e se fazer algumas perguntas: o quanto isso é recorrente? Como me sinto perante a tal sentimento? Quais são os pensamentos que me ocorrem quando estou ansioso? Isso afeta minha rotina e meus afazeres? De que modo isso me afeta?
Considerando isso, caso entenda que de fato há prejuízos relacionados a ansiedade, não se precipite. Com isso quero dizer que: não faça um autodiagnóstico. Procure a ajuda de um especialista – psicólogo ou médico psiquiatra – para analisar a situação e entender como proceder.
Referência:
Frota IJ, Moura Fé AAC, Paula FTM, Moura VEGS, Campos EM. Transtornos de ansiedade: histórico, aspectos clínicos e classificações atuais. J Health Biol Sci. 2022; 10(1):1-8.
Magalhaes, A., Holmes, K., Dale, L. et al. CRF receptor 1 regulates anxiety behavior via sensitization of 5-HT2 receptor signaling. Nat Neurosci 13, 622–629 (2010). https://doi.org/10.1038/nn.2529.