O vazio existencial, que habita nosso peito, que angustia nossa cabeça, que perpassa cada pedaço que compõe nossa vida na terra, é tema dos mais complexos. Depois de algum tempo na análise, da formação e dos anos de estudo em Psicologia, ainda me intriga. Vez ou outra me sinto carregando a sensação de vazio…
Sabe aquele sentimento, que chega aos poucos e que invade o espaço do pensamento? De repente tudo parece estar longe. Como um teletransporte, sinto ser levada para um lugar interior, que ainda pouco conheço. Nesses momentos, inclusive, me questiono sobre o quão pouco me conheço. Sobre o quão pouco conhecemos o mundo, as pessoas e as coisas ao nosso entorno.
Demora-se o tempo de uma vida para saber sobre a nossa própria. Passamos anos, comemoramos todos os aniversários, aprendemos sobre a dor, e algumas perguntas permanecem… Caminhando para um lugar contínuo de incerteza. Quantas vezes você já se questionou:
Quem eu sou?
Pra onde eu vou?
O que acontece depois que a gente morre?
O que vem depois?
São perguntas que nunca se satisfazem com as reflexões nas quais chegamos. Estão sempre ali, martelando nosso pensamento. Buscando de todo modo desaparecerem, em tom de certeza, em uma resposta.
Isso parece ter tomado uma proporção ainda maior na nossa vida nos últimos anos. Tempos pandêmicos, gente morrendo, isolamento. Nada pode ser pior que estar sozinho com tantas perguntas, quando nos encontramos isolados de tudo… Menos do vazio, que parece preencher-se de pontos de interrogação dentro da cabeça.
Mapear e compreender nossos sentimentos e o quanto eles estão atrelados ao momento presente é essencial, muitas respostas podem ser encontradas aí. Às vezes, o vazio é resultado da perda de alguém importante na sua vida, seja a perda de alguém que partiu ou de uma relação que acabou.
Porém, às vezes, o vazio existencial também pode estar relacionado com uma vida que é cheia de tudo mas, esvaziada de sentido. Uma vida que se encontra estabelecida amorosamente, financeiramente, no entanto, sente que algo ainda falta. Uma vida buscando alguma coisa, um sentido, respostas.
Também acontece de existir quem acolhe o vazio. O traz para perto e conversa. E assim, entende. Entende que muita vida que é cheia de tudo, cheio dos outros e cheia do mundo, também pode ser muito vazia de si.
Não importa quem, como, quando ou onde. Todo mundo há de ser só. Todo mundo há de, em algum momento da vida, sentir um vazio que é do tamanho da sua existência, podendo até parecer maior. O importante é saber identificar os vazios. Ou, aprender com eles e compreender o que vieram nos fazer enxergar.
O que o vazio existencial tem a lhe dizer?
O vazio existencial, pode sim, estar conectado com transtornos depressores ou, estado psicológico depressivo. E, devido a isso, é preciso atentar-se para a condição de sua saúde psíquica. Entender quais são os motivos que o levam a sentir-se assim. Indagar a si mesmo – buscando observar se existe algum acontecimento relacionado a sensação de vazio existencial – é essencial.
Contudo, é preciso atentar para o social. O que difere nós, seres humanos, de qualquer outra espécie, é o poder de comunicar, refletir, tensionar. Ou seja, faz parte da vida não saber. Compartilhamos o sentimento de vazio. Então, se nos faltam palavras para responder ou preenchê-lo, não é porque não as temos. Nosso dicionário é completo. O vazio existencial sentido, certamente, iria cessar depois de encontrar tanta palavra que busca o calar. Mas, não somos feitos de sílabas e vogais…
Somos feitos de carne e osso, não de respostas. O que nos move não são as respostas, são todas as questões que temos. Desde as mais profundas, referentes ao sentido da vida, e até as pequenas, que nos colocam em movimento.
Penso o vazio como algo que impulsiona. Que nos leva a sentir necessidade de ação. O vazio é feito de verbos: buscar, movimentar, questionar, descobrir.
Sobretudo, o sentimento de vazio existencial é momentâneo e compartilhado. É isso que o diferencia de um estado depressivo. Também é isso que o torna importante. Vazio nunca é só.
São vazios, sempre múltiplos de si, pois chegam para nos ensinar sobre o tempo e sobre a gente. Se existem muitas vidas cheias de vazio, isso já nos diz muito. Isso nos diz sobre a vida em si. O que novamente nos levam a perguntar:
Que vida temos vivido? Que resposta temos encontrado quando nos questionamos? Como temos preenchido aquilo que se entende como vazio?
Percebo que, na tentativa constante de preencher um espaço reflexivo do pensamento, lotamos nossas superfícies – mentais e físicas – com coisas. Os verbos que conjugamos – na tentativa de preenchimento existencial –, são diferentes do que aqueles que poderiam nos auxiliar nesse processo de autoconhecimento:
Comprar. Comer. Rejeitar. Ausentar. Adiar. Preencher…
Verbos que nos afastam de nós mesmos. Que nos aproximam de um alívio imediato, entregando sensação de prazer, como nos casos em que calamos, nossos movimentos internos de busca, com atitudes consumistas – produzindo uma espécie de calmante objetal. E necessariamente por isso, um calmante que passa tão rápido quanto o alívio que chega.
Nossos espaços vazios são, sobretudo, vazios de existência. Não são vazios de objetos, mercadorias. Como o próprio termo já nos sugere. Nossos espaços vazios são a força que ainda nos coloca em movimento. O que nos permite inovar, mudar, buscar pelo novo, nos conduz a questionar o mundo e o modo de vida nele.
O vazio existencial é o que nos faz duvidar das respostas prontas e, ao mesmo tempo, é que o que nos faz saber que podemos mais, pois nos desafia o tempo todo. Por isso ainda nos mantemos em estado de busca. Exatamente por esse motivo ainda procuramos, pesquisamos, encontramos, permitimos, descobrimos…
Ao escrever a célebre frase, “Só sei que nada sei”, Sócrates nos presenteava, com a máxima que muito ensina sobre o vazio da existência.
É por compreender que, mesmo quando se tem tudo o que se deseja, quando materialidades foram conquistadas, objetivos atingidos… Mesmo quando tudo isso compõe nossa vida, e quando poderíamos por fim sentir que é possível parar, ainda carecemos de existência. Ainda sentimos necessidade de buscar algo que nos aproxime de nós mesmos e de uma vida genuína.
E, por isso, seguimos… Não porque algo nos falta, mas porque agora temos a certeza de que são nossos vazios que nos fazem continuar.
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Poesia que me inspira na escrita, conheça Vazio, de Vinicius de Moraes.