Estou Tomando Antibiótico, Posso Consumir Bebida Alcoólica?

Essa é uma das perguntas mais frequentes feitas aos profissionais de saúde por aqueles que necessitam fazer uso de antibióticos, tendo em vista que é comum se ouvir a máxima de que o álcool “corta” o efeito do antibiótico.

Essa preocupação não é estranha, já que segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), 26,4% da população brasileira consome álcool uma ou mais vezes na semana.1 No entanto, para responder a esse questionamento, é necessário, primeiramente, o entendimento de alguns conceitos.


O que são antibióticos?

A descoberta dos antibióticos no final da década de 20 foi uma revolução para ciência e inaugurou uma nova era na medicina.

Na época, Alexander Fleming descobriu, de forma acidental, a penicilina. A partir disso, foi possível, pela primeira vez, combater patógenos que antes eram responsáveis por uma alta taxa de mortalidade.

Os antibióticos são substâncias utilizadas no tratamento de infecções bacterianas por sua capacidade de eliminar ou impedir a multiplicação de bactérias.

Podem ser classificados quanto a sua ação biológica como bactericidas ¾ capazes de lesar irreversivelmente ou matar as bactérias ¾  e bacteriostáticos ¾ que inibem o crescimento e reprodução do microrganismo, sem provocar morte, quanto ao seu espectro de ação e quanto ao seu mecanismo de ação.

Álcool

O álcool é uma substância psicoativa, com capacidade de exercer alterações fisiológicas, alterar vias metabólicas e reduzir a absorção de nutrientes, causar desidratação por conta da diurese e modificar a farmacocinética e farmacodinâmica de medicamentos.2

cerveja

Inicialmente, a ingestão de bebidas alcoólicas causa efeitos estimulantes, tais como desinibição, euforia e eloquência.

Contudo, com o passar dos minutos e/ou horas e a permanência do consumo, as concentrações sanguíneas se tornam elevadas, iniciando uma nova fase, com efeito depressores, com sintomas como diminuição da coordenação motora, fala arrastada e sonolência.3


Metabolismo do álcool

O álcool é uma substância com alta solubilidade, e por isso, é facilmente absorvido no trato gastrointestinal. Sua absorção pode ser diminuída ao ser ingerido concomitantemente com alimentos ricos em proteínas e lipídios.4

No organismo, chega rapidamente à circulação sanguínea, atingindo a maioria dos órgãos. No citosol, é oxidado na presença de NAD+ em aldeído acético pela enzima álcool desidrogenase (ADH).

Posteriormente, esse aldeído acético é oxidado pela enzima aldeído desidrogenase (ALDH), formando então o acetato. Por último, nos tecidos extra-hepáticos, o acetato é conjugado em dióxido de carbono e água.4

Sua excreção é principalmente renal, com uma pequena parcela que não passou pelo metabolismo de primeira passagem podendo ser eliminada pelo suor e pela respiração.5


Interação entre álcool e antibióticos

Entender a evidência científica por trás dos alertas ao uso concomitante de álcool e antibióticos é importante para que as orientações farmacológicas sejam padronizadas.

Alguns mecanismos podem estar envolvidos na interação entre essas substâncias, como a capacidade do álcool de aumentar o pH do estômago, acarretando uma menor absorção dos antibióticos, e seu efeito sobre o peristaltismo, aumentando a motilidade intestinal e consequente aumento na rapidez da passagem do fármaco pelo estômago e duodeno, reduzindo sua absorção.6

A ingestão conjunta de antibióticos e álcool pode ocasionar reações e efeitos adversos, como o aumento da toxicidade do álcool, e risco de lesões no fígado.

Ambas as substâncias, por si só, já são irritantes para a mucosa gastrointestinal. O uso concomitante dos dois, além de complicações mais graves, pode levar a quadros de náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia.

Além disso, o uso excessivo de álcool pode diminuir o funcionamento do sistema imunológico do indivíduo, fato que prejudica a recuperação dos pacientes em uso de antibióticos, que já estão lutando contra alguma infecção.

Uma das mais temidas interações medicamentosas é a reação álcool-dissulfiram, que pode causar: rubor facial, náusea, dor de cabeça, vômito, dor no peito, vertigem, sudorese, visão turva, fraqueza, confusão e hipotensão.

Para melhor compreensão, um estudo de revisão classificou as interações entre álcool e antibióticos em três categorias: alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas do antibiótico e/ou álcool, alterações na eficácia antimicrobiana, e desenvolvimento de toxicidade.

Esse estudo apresentou um resumo dos dados encontrados, em humanos, de acordo com a classe dos antibióticos:7

Betalactâmicos: Os betalactâmicos são agentes amplamente utilizados e bem tolerados, tendo como principais exemplos as penicilinas e as cefalosporinas.

Em relação às penicilinas, o uso de álcool influencia na taxa, mas não na extensão da absorção da amoxicilina.7

Já o uso concomitante com as cefalosporinas, quando com cadeia lateral de MTT ou anel de MTDT, tem um risco aumentado de uma reação tipo dissulfiram. No caso das cefalosporinas sem as cadeiras laterais, o uso de álcool parece ser seguro.7

Fluorquinolonas: As fluorquinolonas são antibióticos de amplo espectro utilizadas para o tratamento de uma variedade de infecções.

Os dados de toxicidade são limitados a um único caso, o que não permitiu clara atribuição entre o uso concomitante de ciprofloxacino e álcool.7

Macrolídeos: Os macrolídeos são um grupo de medicamentos constituídos por um anel macrocíclico de lactona. São utilizados principalmente para o tratamento de infecções do trato respiratório e micobactérias.

O álcool pode afetar adversamente a farmacocinética da eritromicina, e o uso concomitante pode aumentar os níveis plasmáticos de álcool.7

Tetraciclinas: As tetraciclinas são antibióticos de amplo espectro que tem atividade contra bactérias gram-positivas, gram-negativas aeróbias e anaeróbias, espiroquetas, riquétsias, micoplasma, clamídias e alguns protozoários.

O uso de álcool juntamente com tetraciclina aumenta a C máx. e a AUC da tetraciclina, mas não afeta sua eliminação, o que sugere uma maior absorção desse fármaco na presença de álcool, o que seria um efeito potencialmente benéfico.7

Nitrofurantoína: A nitrofurantoína é um antibiótico da classe dos nitrofuranos, utilizado no tratamento de infecções urinária crônicas e agudas.

Estudos recentes refutaram dados antigos de que seu uso com álcool causaria uma reação do tipo dissulfiram.7

Nitroimidazólicos: Esse grupo de medicamentos é utilizado principalmente no tratamento de infecções parasitárias ou anaeróbicas. Seu principal constituinte é o metronidazol.

A interação entre álcool e metronidazol permanece pouco clara, tendo uma ocorrência pouco clara e gravidade variável.7

antibioticos 1

Sulfonamidas: Primeiros agentes antimicrobianos utilizados clinicamente. Usados para infecções do trato urinário e infecções por Pneumocystis.

Existem dados de possíveis reações do tipo dissulfiram, mas as reações relatadas não podem ser comprovadamente atribuídas a utilização concomitante das substâncias.7

Oxazolidinonas: Os antibióticos dessa classe são normalmente utilizados no tratamento de infecções por bactérias gram-positivas resistentes.

Em quantidades limitadas, o álcool pode ser consumido com segurança. No entanto, o uso excessivo de bebidas alcoólicas que contenham tiramina pode aumentar a pressão arterial sistólica.7

Outros achados

Fármacos como o metronidazol, a ampicilina e algumas cefalosporinas possuem um grupamento nitrogênio em sua estrutura, o que ocasiona a inibição da enzima aldeído desidrogenase, que é responsável pela biotransformação do etanol em acetaldeído.

Alguns antimicrobianos também podem interagir com o acetaldeído, ocasionando redução da sua biodisponibilidade.6

Outro exemplo são as tetraciclinas, cujo álcool possui capacidade de induzir o aumento do seu metabolismo hepático, reduzindo o tempo de meia-vida em até 50%, impedindo assim a eficiência do tratamento.

Ainda, o cloranfenicol e as sulfonamidas, desencadeiam de forma branda uma reação semelhante à dissulfiram, quando utilizados de forma concomitante com álcool.8


Referências

1. SECRETARIA DE ESTADO DE DIREITOS HUMANOS; SUBSECRETARIA DE ESTADO DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS. Consumo de álcool: definições e números do brasil. 2022. Disponível em: https://ocid.es.gov.br/Not%C3%ADcia/consumo-de-alcool-definicoes-e-numeros-do-brasil#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20Vigitel,no%20entanto%2C%20aumentou%20nesse%20per%C3%ADodo.

2. OLIVEIRA, D. G.; et al. Consumo de álcool por frequentadores de academia de ginástica. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. v. 63, n. 2, p. 127-132. 2014.

3. CAMPANA, A. A. M.; et al. Abuso e dependência de álcool. Associação Médica Brasileira. 2012.

4. MARTINS, O. A. Efeito do consumo de bebidas alcoólicas no organismo – uma revisão. Botucatu (SP): Revista Eletrônica de Educação e Ciência (REEC). v. 3, n. 2. 2013.

5. LANÇA, T. M. N. Interações medicamentos – Álcool com relevância clínica no ambulatório. 86 f. Tese (Mestrado) – Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, Instituto Superior de Ciências da Sáude Egas Moniz. 2014.

6. DE ANDRADE, E. D. Terapêutica Medicamentosa em Odontologia. 3ª Edição. São Paulo: Editora Artes Médicas LTDA, 2014.

7. MERGENHAGEM, K. A.; et al. Fact versus Fiction: a Review of the Evidence behind Alcohol and Antibiotic Interactions. Antimicrob Agents Chemother. v. 64, n. 3, 2020.

8. FARIÑA, L. O.; POLETTO, G. Interações entre antibióticos e nutrientes: Uma revisão com enfoque na atenção à saúde. Curitiba (PR). Visão Acadêmica. v. 11, n. 1. 2010.

Marina Goulart da Silva

Graduada em Farmácia e Mestre em Ciências da Saúde: Neurociências pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior e Metodologias Ativas. Atua como pesquisadora estudando a efetividade de intervenções farmacológicas em transtornos psiquiátricos.

Também é professora do Ensino Superior.

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Marina Goulart da Silva

Marina Goulart da Silva

Graduada em Farmácia e Mestre em Ciências da Saúde: Neurociências pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior e Metodologias Ativas. Atua como pesquisadora estudando a efetividade de intervenções farmacológicas em transtornos psiquiátricos.

Também é professora do Ensino Superior.

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