Quando o médico informa que a melhor alternativa de tratamento para determinado problema de saúde é uma cirurgia, uma das maiores preocupações dos pacientes é quanta dor eles vão sentir.
A ansiedade e o temor são reações naturais nessas situações, mas as pessoas também ficam apreensivas com a quantidade de medicações que deverão usar e com o tempo de duração da terapia medicamentosa.
O trocadilho com a famosa frase do escritor Carlos Drumond de Andrade sintetiza as explicações que toda pessoa merece. Afinal, a dor é um efeito esperado e ela pode e deve ser gerenciada.
Em primeiro lugar, lembro aos meus pacientes que a capacidade de suportar a dor varia de pessoa a pessoa. Assim, pode ser que, no seu caso, a sensação dolorosa não seja tão intensa.
Além disso, esclareço que esse incômodo faz parte do processo de recuperação após uma cirurgia, e os melhores protocolos médicos prevêem estratégias para controlá-lo.
Apesar de todos esses cuidados, a comunidade científica já observou que 8 em cada 10 pacientes terão dor no momento posterior às intervenções.
Por isso, já durante a cirurgia, o anestesiologista lançará mão de anestésicos locais para prevenir ou minimizar o desconforto.
Na sequência, a equipe médica que lhe assistirá terá à disposição vários tipos de analgésicos como os Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs), e outras medicações similares, até mais potentes, que poderão ser utilizadas para garantir-lhe alívio.
A importância das medicações
Um recente artigo publicado pelo Cureous Journal of Medical Science revelou que mais da metade dos pacientes sofrem de dor após a cirurgia por falta de tratamento adequado, e uma das maiores barreiras para o controle do incômodo, nesse caso, é a falta de conhecimento, por parte dos pessoas, sobre as opções para controle do sintoma disponíveis, assim como seus efeitos colaterais. Isso significa que você não deve estar alheio ao plano de tratamento idealizado pelo médico.
A última consulta anterior à cirurgia pode ser o momento certo para falar sobre seus receios. Talvez você seja um paciente muito zeloso da sua saúde e não tenha o hábito de usar medicações contra a dor. Pode ser até que seja muito sensível a elas, e a preocupação é tornar-se dependente ou ter reações estranhas, que, eventualmente, já foram observadas no passado. Aproveite essa oportunidade para informar ao médico a presença de algum quadro crônico que possa potencializar a dor no momento posterior à cirurgia.
Ciente desses detalhes, o especialista poderá decidir as melhores opções terapêuticas para você. O uso de medicamentos, quando bem indicados, é benéfico e é essencial entender como esse aliado auxilia no combate à dor.
Confira:
- Ao fazer uso de analgésicos no pós-operatório, o paciente se sente mais confortável e, de consequência, consegue descansar mais. O repouso auxilia no processo de recuperação;
- O controle da dor pode reduzir o tempo de internação. O paciente tem maior disposição para se movimentar, e isso previne os efeitos colaterais da cirurgia, como a formação de coágulos e infecções urinárias;
- Sem dor, sem complicações: pacientes cujas dores estão sob controle têm maiores chances de uma rápida recuperação.
Vai doer muito?
Uma vez entendido o objetivo do uso dos analgésicos, nesse contexto pós-operatório, é preciso saber que nem sempre a dor aparece apenas no local da cirurgia. Em geral ela é aguda, e pode incomodar por alguns dias.
Como a dor é percebida de forma diferente entre as pessoas, não é possível fazer comparações. O que sabemos é que algumas cirurgias podem causar dores mais intensas e outras não. Mas isso também dependerá da percepção individual.
Além da dor decorrente da intervenção em si, você poderá observar sintomas como dores musculares, na garganta, ou durante a prática de algum movimento. Veja a descrição das possíveis manifestações:
Dor muscular – pode ser no pescoço, ombros, peito ou costas;
Dor de garganta – a região pode parecer inchada ou ferida;
Dor ao movimentar-se – sentar, caminhar, tossir podem causar dor no local da cirurgia ou nas regiões próximas ao corte.
Vários tipos de analgésicos
A função desses fármacos é reduzir a dor e a inflamação. Esta, muitas vezes, não só acompanha a dor, como pode agravá-la. Assim, os AINEs são uma das opções disponíveis, e suas segurança e eficácia são bastante conhecidas.
Essas medicações são absorvidas pelo corpo para cumprir sua ação por meio da redução da produção de determinadas substâncias conhecidas como prostaglandinas. Parecidas com hormônios, elas “avisam” os receptores da dor que é hora de dilatar os vasos sanguíneos.
Para “desarmar” as prostaglandinas, os AINES bloqueiam as enzimas cloxigenases (COX-1 e COX-2). O resultado desse mecanismo é a inibição da dor e da inflamação.
Quando a dor é moderada, os AINEs são usados para tratar a dor pós-cirúrgica, mas também são úteis para reduzir o inchaço causado local. São exemplos dessas medicações a aspirina e o ibuprofeno. A vantagem desse tipo de fármaco é que ele previne o uso de remédios mais potentes e não causam dependência.
Apesar disso, esses os AINEs precisam ser usados sob supervisão médica porque, em algumas pessoas mais sensíveis, podem provocar reações como sangramento estomacal, problemas nos rins – e ainda podem interagir com outros medicamentos – ou seja, eles reduzem ou alteram o efeito de algumas medicações, como os que controlam a pressão sanguínea.
Controle mais potente
Em alguns casos, os AINEs não trazem o efeito desejado e é necessário o uso de analgésicos mais potentes. Essa classe de remédios é representada pelos opiodes, cujo exemplo clássico é a morfina. Embora eles sejam efetivos contra dores intensas, a recomendação é que sejam usados pelo menor tempo possível.
A razão para isso é que seus efeitos colaterais também são intensos: sangramentos não só no estômago, mas em qualquer parte do corpo, sonolência, coceira, além de alteração das funções renais e da respiração, sem falar do risco de adicção.
Vou ter de tomar injeção?
Talvez. As medicações podem ser ministradas por via oral ou intravenosa, e as apresentações desses medicamentos podem ser comprimidos, soluções, injeções e até adesivos.
Entre os especialistas, os medicamentos orais (comprimidos ou soluções) são as modalidades preferidas. Elas não causam desconforto, geralmente são menos custosas e ainda são facilmente administráveis no retorno para casa.
A desvantagem dessa estratégia é que ela demora mais para fazer efeito, porque precisa ser absorvida pelo organismo até cumprir seu objetivo. Comprimidos e gotas também podem ser difíceis de serem ingeridos, especialmente quando o paciente tem náuseas ou vômito no momento pós-operatório, situação bastante comum.
Os fármacos injetáveis têm a seu favor o fato de que entram imediatamente na corrente sanguínea e, por isso, seu efeito é mais rápido. Por outro lado, uma injeção pode ser dolorida, e ter como efeito colateral sintomas como tontura, dor de cabeça, entre outros.
Conheça as versões injetáveis
Medicamentos injetáveis podem ser ministrados nas formas a seguir:
Intravenosa – é a medicação para a dor que se toma ainda no hospital por meio de um cateter que fica conectado à sua veia. Essa estratégia funciona bem no curto prazo;
APP (Analgesia Administrada pelo Paciente) – esta modalidade permite a autoadministração de analgésicos por meio de uma bomba que possui um botão que aciona a entrada de pequenas doses de opioides (como a morfina), pela via intravenosa. Geralmente é utilizada no ambiente hospitalar.
Ao sentir dor, o próprio paciente administra o remédio. O dispositivo tem um componente de segurança para evitar overdoses. Entretanto, as evidências científicas sobre a AAP mostram que sua eficácia é semelhante aos dos outros métodos, e os pacientes tendem a usar doses maiores.
Os dados são da prestigiosa base de dados da Cochrane, entidade médica que revisa estudos científicos.
Cateter peridural – mais utilizado em cirurgias do tórax e do estômago, este tipo de analgesia é feito pelo próprio médico que injeta o medicamento na parte inferior das costas. Essa modalidade requer constante monitoramento. Em geral, ela é utilizada em pacientes cuja anestesia, durante a cirurgia, foi a peridural.
Um plano para você
A tomada de decisão sobre a estratégia farmacológica no pós-operatório dependerá de vários fatores como as suas condições gerais da sua saúde, o uso crônico de medicamentos (pode ser que você use remédios de forma contínua), o tipo de intervenção a ser realizada (algumas cirurgias podem provocar mais incômodo do que outras), além das suas características pessoais quanto à capacidade de suportar a dor.
Após a cirurgia, é muito importante que você consiga descrever a intensidade da sua dor para que a equipe que o assiste possa tomar providências.
Pode até ser que você já sofra com dores crônicas, e essa nova circunstância venha a se somar ao incômodo.
A boa notícia é que, para além das tantas opções de tratamento, existem alternativas não farmacológicas que também ajudam a reduzir o mal-estar e até o previnem, bem como o abuso do uso de analgésicos, além dos efeitos colaterais já mencionados.
O fator MTC
Em 2016, as diretrizes da American Pain Society para o gerenciando da dor no pós-operatório, um guia que orientava os médicos sobre as melhores e mais indicadas abordagens para tratar pacientes nessas condições, declarava textualmente que os profissionais da saúde deveriam considerar a indicação do uso de TENS (Estimulação Elétrica Transcutânea do Nervo) para seus pacientes, mas que não podiam “encorajar ou desencorajar a prática da acupuntura”.
A razão para isso eram os resultados das pesquisas disponíveis até aquele momento, tidos como contraditórios: alguns deles mostravam benefícios, outros não.
De lá para cá, as investigações científicas nessa área só aumentaram, e uma revisão de estudos publicada por um dos mais importantes jornais científicos, o JAMA (Journal of the Americam Medical Association), concluiu que há, sim, significativa associação benéfica entre a acupuntura, que é uma prática da MTC (Medicina Tradicional Chinesa), e a redução da dor em geral.
E não só. Quando combinada ao uso de analgésicos, a técnica também propiciou a redução do uso desse tipo de fármaco.
Recentemente, pesquisadores de Taiwan observaram práticas favoráveis ao controle da dor pós-cirúrgica. A conclusão a que chegaram é que acupuntura e técnicas relacionadas, quando aplicadas já um dia após a intervenção, podem reduzir, de forma consistente, o desconforto, além das doses de opioides.
“A acupuntura tradicional e a Estimulação Elétrica Transcutânea do Nervo (TENS) podem ser mais eficazes que a eletroacupuntura como terapia auxiliar no gerenciamento da dor pós-operatória”, concluíram os cientistas. O estudo foi publicado pela revista científica Plos One.
Entenda o poder da acupuntura
Nos últimos anos as evidências científicas mostram que essa técnica milenar, em suas várias modalidades, consegue atuar no controle da dor aguda, crônica e neuropática. Ela atua estimulando o sistema nervoso a liberar moléculas neuroquímicas.
Essa mudança bioquímica influencia os mecanismos de equilíbrio do corpo, promovendo o bem estar físico e emocional.
Pontos específicos de acupuntura podem agir em áreas cerebrais relacionadas à sensibilidade, à dor, ao estresse, relaxamento e à redução da ansiedade. Todos esses efeitos, juntos, se acumulam e promovem efeito duradouro.
Alguns estudos mostram até benefício preventivo da dor quando a acupuntura é feita em momento anterior à intervenção cirúrgica.
Em operações ortopédicas, consideradas muito dolorosas, a acupuntura reduziu a dor e também o inchaço, e ainda promoveu a rápida recuperação dos movimentos, diminuindo também episódios de náusea e vômitos. Os dados são da Associação Internacional para o Estudo da dor (IASP, na sigla em inglês).
Quando vemos mais claramente uma situação que nos causa apreensão, fica mais fácil enfrentá-la.
Converse com seu médico, esclareça suas dúvidas e apresente-se para a cirurgia confiante. Se a dor aparecer, não se acanhe.
Peça ajuda. Você já sabe que a dor estará presente, mas existem vários caminhos possíveis para aliviá-la. É assim que o sofrimento se torna opcional.
Como saber se o combate à dor no pós-operatório é eficaz
O paciente se sente confortável
– Ele reconhece sentir menos dor em repouso e ao movimentar-se
– Sem dor, suas emoções e funções estão equilibradas
– Há boa qualidade de sono
A recuperação é mais rápida
– O paciente consegue alimentar-se e hidratar-se
– Sente-se capaz de voltar às atividades normais
– É capaz de movimentar-se
– As funções dos rins e do intestino estão normais
– Não há prejuízo das funções cognitivas
O tratamento inclui a acupuntura
– Há redução do uso de analgésicos
– Facilita a recuperação dos movimentos
– Os efeitos de analgesia dão duradouros
– Há alívio do estresse e da ansiedade e promoção de bem-estar físico e emocional
Menos efeitos colaterais
– Náuseas
-Vômito
– Sedação
– Coceira
– Tontura
– Delírio
Referências: IASP (Associação Internacional para o Estudo da Dor); Cleveland Clinic; NIH – US National Library of Medicine; Wu MS, Chen KH, Chen IF, et al. The Efficacy of Acupuncture in Post-Operative Pain Management: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLoS One. 2016;11(3):e0150367. Published 2016 Mar 9. doi:10.1371/journal.pone.0150367; He Y, Guo X, May BH, et al. Clinical Evidence for Association of Acupuncture and Acupressure With Improved Cancer Pain: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA Oncol. 2020;6(2):271–278. doi:10.1001/jamaoncol.2019.5233; Nasir M, Ahmed A. Knowledge About Postoperative Pain and Its Management in Surgical Patients. Cureus. 2020;12(1):e6685. Published 2020 Jan 17. doi:10.7759/cureus.6685;