Por que as pessoas mentem? Os 2 lados da mentira

porque as pessoas mentem

Por que as pessoas mentem? Em uma palestra gravada em vídeo[1], Ariano Suassuna – dramaturgo e poeta – confessa: “- eu minto!”. E complementa: “ – Eu não gosto de quem mente para prejudicar os outros, mas tem mentiroso que mente por amor a arte”. O que ele chama então de mentiroso lírico.

Para o autor, a mentira lírica seria uma espécie de permissão, que dá a si próprio, ao contar uma história inofensiva, que tem como intuito tornar mais interessante a crônica contada.

Mas nem só de permissão poética vive a mentira. E isso a gente bem sabe.

Tanto quanto já fomos enganados por pessoas que mentem, também fomos nós, em algum momento da vida, os mentirosos. A mentira é uma daquelas coisas que fazem parte da vida humana. Tive certeza disso quando comecei a escrever esse texto.

Como de costume, antes de iniciar o processo de escrita, fiz uma daquelas buscas despretensiosas no Google. Na barra de pesquisa, digitei a palavra mentira. E eis que, para minha surpresa, o resultado da busca foi esse:

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Perceba que, algumas das palavras semelhantes a mentira são: conto, conversa, história. O que demonstra que a mentira está, de algum modo, correlacionada com o ato de falar/contar alguma coisa.

Na maior parte dos outros textos que li – textos de profissionais da área de psicologia – a mentira é abordada como algo preocupante. O que é coerente, visto que a mentira, em alguns casos, pode ser patológica.

Considerando essas buscas, compreendi que a mentira aparece nas produções literárias, culturais e científicas de dois modos. Podendo ser classificada como banalidade, ou um sinal para termos cautela.

Assim, ponderando os dois lados da moeda, seguimos com o texto.

Quando a mentira machuca

Uma célebre e conhecida frase de Nietzsche, diz: “Fiquei magoado, não por me teres mentido, mas por não poder voltar a acreditar-te”.

E quando a mentira machuca? O que está contido na história ou fala de alguém que pode fazer doer em nós? Já parou para pensar que talvez não seja apenas o conteúdo da mentira que nos incomoda?

Acredito que o que faz doer, quando alguém nos mente, não é a mentira em si, mas a confiança que temos no outro, que é então quebrada pelo ato da mentira. Nossas relações interpessoais são constituídas de acordos. Tratos que fizemos e estabelecemos, mesmo quando silenciosos, para saber até onde se pode ir com determinada pessoa.

Os casamentos e namoros, por exemplo, são, antes de tudo, acordos. Em um casamento, comumente, existe uma espécie de deliberação sobre a monogamia. Na saúde e na doença, promete-se amor quando os votos são feitos. Nada é dito sobre a mentira, mas não porque não importe e sim porque é entendida através de outra ótica dentro das relações. Faz parte dos acordos silenciosos.

A mentira, quando cometida por alguém com quem mantemos um vínculo relacional, é então sentida como a cisão de um acordo. E é por isso que ela machuca. Ela pode até ser sentida fisicamente, como aquele embrulho no estômago que chega junto de palavras que sabemos conterem inverdades.

É ainda por seu oposto que a mentira machuca. Uma INverdade, a omissão da veracidade. Dói, inclusive, por cogitarmos acreditar, mesmo quando temos a certeza de que o que está sendo contado não é fidedigno a realidade.

Sobretudo, a mentira é sentida como traição. Traição de pacto, de acordo, de confiança. Por isso, a mentira não refere-se apenas ao momento no qual ela acontece. Ela reverbera na relação, chegando a nós como uma dúvida que se instala na psique.

Poucas coisas podem produzir um desassossego tão grande em nosso pensamento quanto a dúvida sobre o outro. O não saber, se ainda é possível ou válido confiar em quem nos mentiu, pois a confiança, que é base em qualquer relacionamento, encontra-se abalada.  

É com isso que a mentira opera. Não só com a dissimulação contida nas palavras que se profere, mas também com sentimentos e pensamentos. Existe mentira que conduz quem foi enganado a duvidar de si mesmo (já vimos isso antes aqui). Existe mentira que produz uma insegurança tão grande, que torna difícil não só a tarefa de confiar em quem mentiu, mas de confiar em outras pessoas e até mesmo em relações futuras.

Existe ainda a mentira que é mais grave do que os casos citados. A mentira que se utiliza em vista de manipulação e na prática de crimes, assim como, o estelionatário.

Isso nos mostra que a mentira é multifacetada, pode ser complexa ou comum, criminosa ou cotidiana. Mas é impossível viver em sociedade sem contar mentira.

As mentiras que contamos

Se existe a mentira que machuca, do outro lado, existe a mentira que contamos como forma de manter o convívio social. Aquele tipo de inverdade que é proferida pela relação que se estabelece com a pergunta, sabe?!

Nesses casos, opta-se, conscientemente, pela mentira, porque a opinião verdadeira acabaria sendo mais rude do que a própria realidade.

William Blake, famoso poeta e pintor, escreve que: “Uma verdade que é dita com má intenção derrota todas as mentiras que possamos inventar”. E o pensador Sófocles, complementa: “Não é bom dizer mentiras; mas quando a verdade puder trazer uma terrível ruína, então dizer o que não é bom também é perdoável”.

Esse para mim é o ponto nevrálgico da questão. Existem situações cotidianas, nas quais, uma verdade, quando proferida apenas pelo pacto social e moral, acaba produzindo um sentimento de desconforto muito maior a quem é submetido a tal opinião.

Sabe aquela pergunta que fazemos ao outro, intuindo que a resposta seja exatamente a que desejamos? Um exemplo clássico é quando somos convidados a opinar sobre uma roupa, corte de cabelo, uma refeição. A pergunta que é direcionada a nós é tendenciosa. Não é uma pergunta que busca pela verdade. O que se deseja é uma resposta polida, gentil.

Reflita. O quanto você deseja a verdade quando faz determinada pergunta?

Conheço muitas pessoas que tem um acordo severo com a verdade. E que, diferente do que acreditam, não são consideradas pessoas extremamente confiáveis ou verdadeiras. Uma fala permeada de opiniões grosseiras e de posicionamento pouco empático, ancorado no discurso de que está sendo sincero, pode piorar, e muito, a situação.

Assim como há mentira que machuca, há verdade que machuca também.

Reafirmo, para convivermos socialmente, às vezes, é necessário omitir a verdade. Isso não nos torna mentirosos, só seres humanos coexistindo, em sociedade, com suas diferenças.


[1]Assista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=R1IUt-CAgSw&t=19s

Eduarda Moro

CRP 06/182921
Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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Psicóloga, Mestra em Educação e Doutoranda em Ciências Humanas. Interessa-se por temas relacionados as humanidades, problemas da contemporaneidade e tudo aquilo que faz a vida mais viva e criativa. Pesquisadora na área de subjetividade e modos de subjetivação.

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