A radiação ultravioleta (UV) possui um papel duplo na saúde: é essencial para a produção de Vitamina D3, vital para os ossos, mas, em excesso, torna-se um potente agressor da pele.
A exposição solar crônica (repetida ao longo dos anos) provoca danos cumulativos nas células da pele. Isso varia desde o fotoenvelhecimento, com perda de colágeno, até o surgimento de discromias (manchas). Dentre essas alterações, a melanose solar é uma das queixas mais frequentes nos consultórios dermatológicos.
Entender a origem dessas lesões e as opções de tratamento médico baseadas em evidências é fundamental para um manejo seguro, visando não apenas a estética, mas a saúde integral da pele.
O que é Melanose Solar?
Tecnicamente chamada de Lentigo Solar ou Lentigo Senil, a melanose solar é uma lesão benigna de hiperpigmentação. Ela ocorre devido ao aumento na atividade dos melanócitos (células que produzem cor) e ao acúmulo de melanina na epiderme.
Ao contrário do bronzeamento, que desaparece com o tempo, a melanose solar é uma cicatriz de sol. Ela funciona como um “histórico” de toda a radiação que o indivíduo recebeu durante a vida. Sua presença é um marcador biológico de fotodano: indica que a pele daquela região sofreu agressão suficiente para alterar sua estrutura celular permanentemente.
Características Clínicas
As lesões aparecem exclusivamente em áreas expostas ao sol. O quadro típico inclui:
- Aparência: Manchas planas (não têm relevo), ovais ou irregulares, com bordas bem definidas.
- Cor: Variável, do castanho-claro ao marrom-escuro, mas uniforme dentro da mesma lesão.
- Localização: Face, dorso das mãos, antebraços, colo (“V” do decote), ombros e costas.
- Evolução: Lenta e gradual. Geralmente surgem a partir dos 40 anos, aumentando em número e tamanho com a idade.

Diagnóstico Dermatológico
O diagnóstico é médico e predominantemente clínico. Uma ferramenta essencial é a dermatoscopia, exame que utiliza lentes de aumento e luz polarizada para visualizar estruturas profundas da pele.
A dermatoscopia é crucial para diferenciar o lentigo solar benigno do lentigo maligno melanoma (um tipo agressivo de câncer de pele em fase inicial). Manchas que apresentam múltiplas cores, bordas irregulares ou crescimento rápido exigem biópsia para análise laboratorial.
Diferença Chave: Melanose Solar vs. Melasma
Distinguir essas condições define o sucesso do tratamento:
- Melanose Solar: Manchas delimitadas, causadas por dano solar antigo. Respondem bem a tratamentos destrutivos (laser, cauterização).
- Melasma: Manchas difusas e nubladas, sem bordas nítidas. Pioram com hormônios e calor. Tratamentos agressivos (como certos lasers) podem causar efeito rebote e piorar a mancha.
Tratamento Clínico (Cremes e Ácidos)
Os tratamentos tópicos são a base da terapia e manutenção, exigindo disciplina com resultados visíveis após 3 a 6 meses.
1. Hidroquinona
Considerada o “padrão-ouro” mundial, a hidroquinona (geralmente em concentrações de 2% a 5%) atua inibindo potentemente a tirosinase, enzima chave na produção de melanina.
Detalhe Clínico: É um medicamento, não cosmético. Seu uso deve ser feito em ciclos (ex: usar 3 meses, pausar 1 mês) e sempre sob supervisão médica. O uso contínuo e desenfreado pode levar à ocronose exógena, uma condição onde a pele adquire manchas preto-azuladas de difícil reversão. É estritamente proibida na gestação.
2. Retinoides (Tretinoína)
Derivados da Vitamina A ácida, como a tretinoína (0,025% a 0,1%), atuam acelerando o turnover (renovação) celular. Eles “empurram” as células pigmentadas para a superfície para serem eliminadas e estimulam a produção de colágeno novo.
Detalhe Clínico: No início, causam “retinização” (vermelhidão e descamação). Devem ser aplicados em pequena quantidade (tamanho de uma ervilha) à noite. Aumentam a penetração de outros clareadores quando usados em combinação.
3. Clareadores Seguros (Não-Hidroquinona)
Ideais para manutenção a longo prazo ou peles sensíveis:
- Ácido Azelaico e Kójico: Inibem a tirosinase de forma mais suave, sem toxicidade celular. O ácido azelaico é seguro na gestação.
- Niacinamida (Vit B3): Não inibe a produção, mas impede a transferência do pigmento do melanócito para as células da superfície da pele. Tem ação anti-inflamatória.
- Cysteamine: Ativo moderno que reduz a cistina nos melanossomos e inibe a peroxidase. É um potente corretor de pigmento, aplicado por curtos períodos (15 min) e depois enxaguado.
Procedimentos Médicos (Consultório)
Indicados para quem busca resultados rápidos. A maioria destes procedimentos requer tempo de recuperação (downtime) de 7 a 14 dias.
1. Luz Intensa Pulsada (LIP)
Mecanismo: A tecnologia emite uma luz de amplo espectro que é atraída especificamente pela cor escura (melanina) da mancha. A luz se transforma em calor e coagula o pigmento (fototermólise seletiva).
Sensação e Recuperação: O paciente sente um “beliscão” quente. Imediatamente após, a mancha escurece e forma-se uma microcrosta (aspecto de borra de café). Essa crosta descama em 7 a 10 dias. É o tratamento de escolha para áreas extensas como colo, braços e dorso das mãos, pois trata também vasinhos e melhora a textura da pele.
2. Lasers Q-Switched (Nd:YAG, Ruby)
Mecanismo: Diferente da LIP, este laser emite pulsos de energia ultrarrápidos (nanosegundos). Ele gera um efeito fotoacústico (onda de choque) que fragmenta o pigmento em partículas minúsculas, sem aquecer excessivamente a pele ao redor.
Diferencial: É extremamente preciso e seguro para fototipos mais altos. As micropartículas de pigmento são “comidas” e eliminadas pelo sistema imunológico (macrófagos). Permite clareamento de lesões resistentes com menor risco de queimadura térmica.
3. Crioterapia (Nitrogênio Líquido)
Mecanismo: O jato de nitrogênio a -196°C congela a água dentro das células, causando lise (rompimento) celular. Os melanócitos são muito mais sensíveis ao frio que as outras células da pele, sendo destruídos seletivamente.
Sensação e Recuperação: Ardor intenso durante a aplicação (segundos). Pode formar uma bolha d’água ou de sangue nas primeiras 24h, que vira uma crosta espessa. A crosta cai em 10 a 15 dias. Risco: Se aplicado por tempo excessivo, pode matar todas as células de cor, deixando uma mancha branca permanente (hipocromia).
4. Peelings Químicos (ATA Pontuado)

Mecanismo: O médico aplica Ácido Tricloroacético (ATA) em alta concentração (geralmente 30-50%) apenas sobre a mancha. Isso causa coagulação imediata das proteínas da epiderme (visualizada como frosting ou branqueamento).
Recuperação: A área tratada fica esbranquiçada, depois vermelha e evolui para uma crosta marrom-escura. A “pele velha” manchada descasca em 7 a 10 dias, revelando uma pele nova e rosada. Exige proteção solar absoluta durante a cicatrização para evitar mancha rebote.
Prevenção: O Pilar do Sucesso
Tratar sem prevenir é ineficaz, pois as manchas recidivam (voltam). A prevenção deve ser rigorosa:
- Quantidade Correta: A maioria das pessoas aplica pouco filtro. A regra é “colher de chá” para rosto e pescoço.
- Reaplicação: Filtros químicos degradam na luz. Reaplicar a cada 3 horas é essencial.
- Barreira Física: Tecidos com proteção UV, chapéus e óculos são a melhor defesa para atividades ao ar livre.
Prognóstico e Alerta de Risco
A melanose solar é benigna e não vira câncer. Contudo, ela funciona como um “sinal de alerta”.
Um paciente com muitas melanoses recebeu uma carga alta de radiação UV na vida. Estatisticamente, esse paciente tem maior risco de desenvolver carcinomas ou melanoma em outras áreas da pele. Por isso, o check-up dermatológico anual (mapeamento de pintas) é mandatório para este perfil de paciente.
Referências Bibliográficas
1. Bolognia JL, Jorizzo JL, Schaffer JV. Dermatology. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2018.
2. Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. 4. ed. São Paulo: Artes Médicas; 2018.
3. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Perfil das consultas dermatológicas no Brasil.
4. American Academy of Dermatology Association. Age spots: Diagnosis and treatment.
















































