Faz pouco tempo que comecei a apreciar.
É um termo esquisito quando se escreve assim, sozinho, sem junção de palavras que o complementem:
apreciar
Ao significado contido na palavra, me apego ao primeiro que consta no dicionário, que diz sobre: dar apreço a.
Apreciar é, sobretudo, uma ação. Conecta-se a ideia de movimento. É isso. Sinto o verbo como um movimento das partículas de sensibilidade. A gente costuma esquecer daquilo que somos feitos. Não falo da carne, dos ossos, das células. Me refiro àquelas coisas todas que compõem um indivíduo pensante, e por conseguinte, falante.
Que comunica não só através da fala, mas que expressa.
Me refiro àquelas coisas que nos fazem acreditar que é no coração que moram os sentimentos, que nos levam a experimentar afetos, esses bons e ruins. Tal como dizemos quando nos referimos às “coisas do coração”.
Apreciar é, sobretudo, um convite à vida e ao que acontece no aqui e agora. Talvez, por isso mesmo, seja verbo quase não operado no lugar em que residem os verbos que são postos em ação: consumir, ansiar, medicar, preocupar. Apreciar é palavra que não cabe só no papel. Muito menos no passado ou no futuro. É preciso experimentá-la no presente, porque é nesse tempo no qual ela se dá.
E aí reside uma questão. Quase não nos permitimos experimentar aquilo que é da ordem do sensível. E para apreciar, é preciso ter uma certa constância envolta de paciência. Mas a vida que vivemos parece não dar brecha. Não há tempo que sobre, tempo em que seja possível viver só do presente. Estamos preocupados demais vivendo o amanhã, ou melancólicos demais rememorando um passado que só agora nos parece prazeroso.
É nesse lugar, de espaço-tempo, em que vivemos. Entre passado e futuro. Quase nunca no aqui e agora. Tenho pensado sobre isso…
Quase não temos tempo. Ou, ao menos, quase não temos tempo para a vida. Não temos tempo, e não é nossa prioridade, pensar nas coisas que nos conduzem a uma vida que se contenta com aquilo que é. Com aquilo que acontece no momento em que acontece.
O que quero dizer com isso é que, as coisas boas sobre as quais lamentamos, quando tratamos o passado como “eu era feliz naquele tempo”, não são coerentes. Provavelmente, no momento em que você viveu, aquilo que compõe hoje parte de suas melhores lembranças e memórias, não foi do mesmo modo como você se lembra. Mas os retratos que fizemos não capturam pensamento. E por isso mesmo, parecem expressar um conforto e um apego a um dia do passado, que só é lembrado com tanto apreço e pureza, pois está agora desvinculado do tempo presente em que aconteceu.
Daí, quem sabe, o apego que temos as fotografias que retratam pessoas queridas, viagens feitas, lugares desbravados. A fotografia nos serve como um regresso ao que vivemos, e como um ingresso, a uma realidade que não tem compromisso com o que de fato aconteceu naquele momento. Um modo de manter partículas do outro por meio de uma fotografia. Um modo de eternizar uma realidade que não há de ser revivida como foi no instante em que retratada. E que parece ser muito melhor do que se vive hoje, no presente.
Apreciar: é preciso viver o tempo presente
O seguinte trecho me fez pensar sobre os motivos que nos levam a não apreciar as coisas, no momento em que acontecem:
“Espinosa disse, e trata-se de uma afirmação muito importante, que não devemos olhar para os afetos com maus olhos, a ponto de querer suprimi-los pela razão; muito pelo contrário, os afetos são tão importantes quanto o pensamento [..]”
Quero chamar a atenção para essa frase final:
“os afetos são tão importantes quanto o pensamento”
Mas, qual lugar e espaço é reservado para os afetos em nossa vida? O quanto somos impedidos de apreciar, de enxergar o que está acontecendo no aqui e agora, por estarmos ansiosos com o trabalho, por estarmos preocupados com problemas familiares e conjugais…?
Quando foi a última vez que você apreciou algo? Quando foi a última vez que você conseguiu esvaziar a cabeça dos pensamentos que te consomem e apenas estar aqui, no espaço-tempo do presente?
Há muita produção teórica sobre ansiedade (medo do futuro), depressão (apego ao passado), mas porquê não estamos falando sobre a necessidade de aprender a apreciar?
Caso ainda não tenha ficado claro, quando me refiro ao termo apreciar, não me refiro à apreciação de um espetáculo, de um evento grandioso. Claro, isso também faz parte da ideia toda de apreciação. Mas existem coisas mais simples, momentos cotidianos que nos convidam a apreciar. Coisas que vemos como banais, tal como é com o pôr do sol, o céu azul, a natureza, pessoas andando de mãos dadas…
Parar por um momento, para olhar o que acontece lá fora, nos conecta com o mundo. Se não o fazemos, estamos fadados a viver uma vida de repetições. Cometendo os mesmos equívocos, atormentados com problemas que se tornam maiores e mais complexos do que parecem; angustiados com contratempos que nem são nossos e que não deveríamos tentar resolver.
Há muito que se apreciar no mundo e na vida. Existe um mundo de coisas e de pessoas, de música, livros e filmes para descobrir. Contudo, é preciso primeiro entender a importância dos momentos de contemplação, em que só o presente existe e que é necessário vivê-lo. Pode parecer fácil contemplar, mas não é. Se o fosse, talvez não estaríamos adoecendo com os excessos – seja de ansiedade com o que virá, ou de tristeza pelo que passou.
Por fim, trago uma música de Gilberto Gil, que me ensinou sobre a importância de viver o hoje:
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
Aqui onde indefinido
Agora que é quase quando
Quando ser leve ou pesado
Deixa de fazer sentido
Aqui de onde o olho mira
Agora que o ouvido escuta
O tempo que a voz não fala
Mas que o coração tributa
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora
O melhor lugar do mundo é aqui
E agora