Manifestações Extraintestinais da Doença Inflamatória Intestinal

A doença inflamatória intestinal (DII), que inclui a doença de Crohn e a colite ulcerativa, é uma doença sistêmica que frequentemente apresenta manifestações extraintestinais. Até 50% dos pacientes com DII desenvolverão manifestações extraintestinais ao longo da vida. Essas manifestações podem preceder o diagnóstico de DII em 25% dos casos.

As manifestações extraintestinais mais comuns são as musculoesqueléticas, dermatológicas e oftalmológicas.

Retocolite vs Doença de Crohn

A retocolite ulcerativa e a doença de Crohn são as duas principais formas de doença inflamatória intestinal. Neste artigo, abordaremos ambas e passaremos pelas diferenças entre elas, incluindo a histologia.

Em primeiro lugar, acredita-se que a retocolite ulcerativa seja duas vezes mais comum que a doença de Crohn, com taxas de incidência de 10 a 20 por 100.000 pessoas por ano, em comparação com 5 a 10 por 100.000 pessoas por ano na doença de Crohn. Ambas podem ocorrer em qualquer idade, embora sejam mais comumente diagnosticadas na faixa etária entre 15 e 30 anos. Em média, a doença de Crohn é encontrada alguns anos antes da retocolite ulcerativa.

Alguns estudos mostram que a retocolite ulcerativa é mais comum em homens, enquanto a doença de Crohn é mais comum em mulheres. Tanto a retocolite ulcerativa quanto a doença de Crohn são tipicamente mais comuns em países desenvolvidos e do norte.

Outra diferença entre as duas é que a retocolite ulcerativa está confinada ao cólon e ao reto, enquanto a doença de Crohn pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, da boca ao ânus. Isso significa que os sinais e sintomas podem ser diferentes.

Em geral, os sintomas da retocolite ulcerativa e da doença de Crohn são a presença de diarreia crônica ou episódica, que pode apresentar sangramento retal devido à ulceração da parede intestinal; dor ou cólicas abdominais; urgência para evacuar; e uma sensação de esvaziamento incompleto do reto, chamada tenesmo.

Outros sintomas gerais podem incluir perda de peso, febre, suores noturnos e fadiga. Mais especificamente, a retocolite ulcerativa tem maior probabilidade de causar diarreia com sangue do que a doença de Crohn, assim como o risco de megacólon tóxico, uma condição em que o cólon fica inchado e aumentado devido à inflamação e aos danos ao plexo mioentérico do intestino, impedindo-o de passar o conteúdo intestinal. Isso leva ao acúmulo de gases e fezes, com risco de perfuração e sepse.

Como dissemos, a doença de Crohn pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, mas é mais comumente encontrada afetando o íleo terminal e o cólon proximal. Existem vários subtipos, incluindo uma variante inflamatória que pode apresentar úlceras, erosões e abcessos; um tipo estenosante que pode levar a obstruções; e uma variante mais penetrante, levando a fístulas.

A doença de Crohn também pode ter efeitos significativos na absorção de nutrientes, dependendo de onde está afetando. Como o íleo terminal e o cólon proximal são as localizações mais comuns, há frequentemente má absorção de sais biliares e vitamina B12. Outras deficiências podem incluir ferro, cálcio e vitamina D.

Sintomas

Uma das manifestações extraintestinais mais comuns é a ocular. Pacientes podem apresentar olho vermelho, dor ocular e alterações visuais. Existem conjuntivites e inflamações em outras estruturas do olho, como a úvea, que podem ser perigosas e afetar a visão. Essas manifestações oftálmicas devem ser investigadas e tratadas especificamente, pois nem sempre respondem ao mesmo tratamento usado para o intestino.

A manifestação extraintestinal mais frequente, no entanto, é a articular. Existem três tipos principais de manifestações articulares:

  1. Inflamações ou dor nas articulações de médio e grande porte, como punhos, cotovelos, ombros, tornozelos e joelhos. Não ocorre em todas as articulações ao mesmo tempo, podendo migrar. Algumas vezes há inchaço, calor, vermelhidão (artrite), outras vezes apenas dor.
  2. Dor na região lombar ou sacroilíaca, caracterizando lombalgia inflamatória. O paciente acorda com rigidez e melhora com a mobilização.
  3. Dor nas pequenas articulações das mãos e pés, de forma simétrica. Também há rigidez matinal com melhora progressiva. Mais comum em pacientes com doença de Crohn e cálculo renal.

Outras manifestações extraintestinais incluem problemas hepáticos como esteatose, colelitíase e colangite esclerosante primária. Alterações renais como nefrolitíase também podem ocorrer.

Manifestações Musculoesqueléticas

Raio-X da coluna lombar com problema

As manifestações musculoesqueléticas mais comuns são artrite periférica (30% dos pacientes) e espondilite anquilosante (10% dos pacientes). A artrite periférica acomete principalmente as grandes articulações como joelhos e cotovelos, com um padrão não erosivo. Já a espondilite anquilosante pode ser erosiva e acomete articulações axiais como as sacroilíacas.

O tratamento da artrite periférica consiste inicialmente no controle da inflamação intestinal com corticoides, tiopurinas ou anti-TNF. Se a DII estiver em remissão, podem ser usados antiinflamatórios não esteroidais (AINEs), sulfassalazina ou metotrexato. Para a espondilite anquilosante, os AINEs e anti-TNF são as principais opções terapêuticas, uma vez que fármacos como sulfassalazina e metotrexato são ineficazes.

Para a artrite periférica, as opções de tratamento incluem:

  • Corticosteroides: podem ser usados para controlar a inflamação intestinal ativa.
  • Tiopurinas: azatioprina e 6-mercaptopurina podem ser utilizadas se a artrite persistir após remissão da doença intestinal.
  • Anti-TNF: infliximabe, adalimumabe e golimumabe têm eficácia comprovada tanto para a doença intestinal quanto para a artrite periférica.
  • Anti-IL-12/23: ustekinumabe mostrou melhora da artrite associada à doença de Crohn.
  • AINEs: devem ser usados com precaução e PPI em pacientes com DII controlada.
  • Sulfassalazina: pode ser uma opção após falha de AINEs.
  • Metotrexato: tanto a via oral quanto parenteral podem ser utilizadas.

Para espondilite anquilosante as opções incluem:

  • AINEs: primeiro tratamento, com precaução gastrointestestinal.
  • Anti-TNF: infliximabe, adalimumabe, certolizumabe e golimumabe são efetivos.
  • Secuquinumabe: bloqueador de IL-17 não é recomendado devido ao risco de induzir DII.

Manifestações Dermatológicas

As manifestações dermatológicas mais comuns são o eritema nodoso e a pioderma gangrenosa. O eritema nodoso consiste em nódulos eritematosos e dolorosos, mais comuns nas superfícies de extensão dos membros inferiores. Acomete cerca de 2 a 10% dos pacientes com DII. Já a pioderma gangrenosa são úlceras dolorosas, com bordos violáceos irregulares, mais comuns nas porções distais dos membros inferiores. Ocorre em aproximadamente 1 a 2% dos pacientes.

O eritema nodoso melhora com o controle da atividade intestinal, enquanto a pioderma gangrenosa segue um curso independente. O tratamento tópico com corticoides ou tacrolimo pode ser suficiente para formas leves de pioderma gangrenosa. Nos casos mais graves ou refratários, podem ser necessários corticoides sistêmicos e anti-TNF como infliximabe ou adalimumabe.

Para pioderma gangrenosa leve, podem ser utilizados:

  • Corticosteroides tópicos de alta potência.
  • Inibidores tópicos de calcineurina como tacrolimo ou pimecrolimo.

Nas formas graves ou refratárias as opções incluem:

  • Corticosteroides orais: prednisona ou equivalente.
  • Anti-TNF: infliximabe e adalimumabe têm eficácia comprovada.
  • Anti-IL-1: anakinra e canaquinumabe são alternativas em casos refratários.

Manifestações Oftalmológicas

As manifestações oftalmológicas mais comuns são episclerite, esclerite e uveíte. A episclerite consiste em hiperemia difusa da conjuntiva e episclera, sem comprometimento visual. Já a esclerite cursa com dor ocular intensa e hiperemia em um ou mais quadrantes da esclera. A uveíte é uma inflamação intraocular que pode levar a complicações como catarata, glaucoma e edema macular.

Episclerite e esclerite respondem bem ao tratamento da inflamação intestinal. Já a uveíte requer manejo específico com corticoides tópicos ou injeções intraoculares de corticoide, podendo necessitar de anti-TNF nos casos refratários.

Concluindo, manifestações extraintestinais são comuns na doença inflamatória intestinal. O paciente deve estar atento e comunicar ao médico qualquer sintoma aparentemente não relacionado, pois pode ser necessário ajuste no tratamento. O reconhecimento e manejo adequado das manifestações sistêmicas é fundamental para o controle da doença e prevenção de sequelas.

Para episclerite e esclerite, o tratamento consiste em:

  • Colírios com corticosteroides.
  • Controle da inflamação intestinal com imunossupressores ou biológicos.

Para uveíte, as opções incluem:

  • Colírios com corticosteroides.
  • Injeções periódicas intraoculares de corticosteroide.
  • Anti-TNF: infliximabe ou adalimumabe nos casos graves ou refratários.

Por que estas patologias se desenvolvem?

Então, como ocorrem de fato a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn? Acredita-se que seja uma interação entre suscetibilidade genética combinada com fatores ambientais e impacto no microbioma intestinal, juntamente com ativação imune inapropriada.

Os fatores de risco incluem tabagismo, que é protetor na retocolite ulcerativa; certos medicamentos, incluindo exposição a antibióticos; a pílula anticoncepcional oral; e anti-inflamatórios não esteroides. Procedimentos como amigdalectomia e apendicectomia parecem aumentar o risco de doença de Crohn. Uma dieta rica em gorduras saturadas e viver em regiões mais urbanizadas também são fatores de risco.

Há também implicação de autoanticorpos, com p-ANCA na retocolite ulcerativa e anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae na doença de Crohn.

Opções de tratamentos

O tratamento geralmente envolve o uso de corticosteroides, embora não na doença de Crohn estenosante, pois isso pode piorar. Aminossalicilatos como a mesalazina mostraram ser eficazes na retocolite ulcerativa e tiopurinas como a mercaptopurina ou azatioprina também são usadas.

Imunomoduladores como a ciclosporina e o metotrexato podem ser usados em alguns casos e, mais recentemente, agentes biológicos como o anti-TNF alfa infliximabe ou o inibidor da janus quinase tofacitinibe também foram introduzidos.

Antibióticos também são considerados se o paciente apresentar um quadro séptico. Nos casos de doença de Crohn envolvendo o trato gastrointestinal superior, os inibidores de bomba de prótons também podem ser usados.

A cirurgia é feita em casos refratários ou graves, o que geralmente envolve ressecção e anastomose intestinal. É claro que uma proctocolectomia total é curativa na retocolite ulcerativa.

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM 158074 / RQE 65523, 65524 | Médico especialista em Acupuntura e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP. Diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).

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CRM 158074 / RQE 65523, 65524 | Médico especialista em Acupuntura e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP. Diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).

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