Acupuntura: Um Tratamento Para A Dor Oncológica

A acupuntura e técnicas relacionadas têm sido sugeridas para o manejo da dor do câncer (dor oncológica).

Quando um paciente recebe a notícia que confirma a suspeita de um tumor, na maioria das vezes a pergunta que se segue é: agora que sei que tenho um câncer, o que posso esperar?

Começo dizendo que a boa notícia é que o avanço científico e o maior conhecimento sobre essa enfermidade oferecem mais alternativas de tratamento e, em muitas situações, o medo, a incerteza e a ansiedade iniciais, logo darão lugar à positividade.

Acrescento que existe algo muito objetivo e certo nesse contexto: quanto mais informação de qualidade você tiver sobre o assunto, maiores são as chances de que, junto ao seu médico, você faça as escolhas que melhor atendam às necessidades de seu quadro clínico.

E, acredite, isso aumentará a sua confiança, bem como as chances de sucesso terapêutico.

Além do apoio e dos esclarecimentos que o especialista lhe dará, é possível obter informações fidedignas acessando os websites das sociedades médicas e de hospitais especializados.

A maioria deles fornece dados detalhados sobre temas que vão desde os vários tipos de cânceres e seus tratamentos, até medidas que podem ajudá-lo a ter mais qualidade de vida nesse período, o que inclui cuidados com o corpo, a mente e até a dieta.


Medo da Dor

Durante o tratamento do câncer, umas das maiores preocupações são os efeitos colaterais da terapia. Mas a dor, um de seus sintomas mais comuns, também é causa de aflição – e não só entre os pacientes: familiares e cuidadores também a definem como mais um fator agregado ao estresse emocional.

De fato, o incômodo está presente de forma leve a moderada em 40% dos casos iniciais, e em 90% dos quadros avançados

Em geral, o receio se centra no “tamanho” do sofrimento que virá. O que as pessoas não sabem, porém, é que a sensação dolorosa é vivenciada de forma individualizada, ou seja, cada pessoa viverá essa experiência a seu modo e, por isso, o que seria intolerável para uns, para outros, será suportável.

A explicação para isso é que a dor depende de uma série de componentes que não são somente físicos. Ela também se relaciona à personalidade, ao humor, atitudes de cada paciente, e até seus relacionamentos.

De olho nessas características, a médica inglesa Cicely Saunders, que dedicou sua carreira aos cuidados paliativos e, portanto, pode avaliar de perto a dor de seus pacientes, introduziu um conceito que ela cunhou de “dor total”.

Cicely entendia que a dor tinha de ser observada e tratada de forma holística, ou seja, considerando a pessoa como um todo.

Assim, médicos e pacientes devem estar atentos a fatores psicológicos, sociais, emocionais e espirituais que possam influenciar a forma como o incômodo se manifesta e, a partir daí, encontrar os meios mais seguros e eficazes de gerenciamento do quadro.


De Onde Vem Essa Dor?

causas de dor oncologica

Para chegar a essas conclusões, antes é preciso entender a origem e as características da sensação dolorosa. Afinal, a dor pode ser constante ou intermitente (vai e volta), aguda (aparece de repente), e ainda sobreposta a alguma outra dor que já existia antes e, portanto, é considerada crônica.

Além disso, as possíveis causas da dor são variadas e podem estar relacionadas às seguintes condições:  

Dor física – ela pode decorrer do próprio tumor ou se relacionar à mudança do estado geral de saúde naquele exato momento.

Pode ser também que, anteriormente ao diagnóstico de câncer, o paciente já tivesse outras enfermidades (comorbidades), como alguma dor crônica (lombar, por exemplo) que, eventualmente, se agravará;

Efeito do tratamento – planos terapêuticos com quimioterapia, terapia hormonal e até cirurgia podem ter como efeito adverso a dor. Dores articulares, óssea e neuropática são exemplos;   

Necessidades espirituaisdiante do desafio da doença, o desconforto pode ter como componente alguma questão existencial. Neste momento da vida, o paciente pode estar em busca de um sentido para o próprio sofrimento.

Sentimentos negativos, como revolta e raiva, podem estar presentes, e eles aumentam o desconforto;

Problemas sociais – uma enfermidade como o câncer pode representar uma mudança total no papel social: trabalho, dinheiro, perda de autonomia, desamparo familiar pode representar um peso que aumenta a percepção da dor;

O psicológico – não bastassem todos esses fatores, emoções como o medo, a ansiedade, a depressão, assim como experiências passadas com a dor, ou mesmo entre familiares, igualmente, influenciam negativamente o desconforto.


Tabela: Causas possíveis de Dor Oncológica

CausaDescrição
Metástases ósseasO câncer que se espalhou para os ossos pode causar dor
Metástases visceraisO câncer que se espalhou para os órgãos pode causar dor
Síndrome ParaneoplásicaUma complicação rara do câncer em que o corpo produz hormônios ou outras substâncias que podem causar dor
Tratamento do CâncerA radioterapia, a quimioterapia e a cirurgia podem causar dor secundária ao tratamento


Como Encontrar Alívio

dor 1

Quando consideramos todos esses aspectos, fica fácil entender porque o tratamento da dor deve ser multidisciplinar. O uso de analgésicos específicos está entre as alternativas mais efetivas que os especialistas têm em mãos para garantir qualidade de vida a pacientes oncológicos. 

Apesar disso, um estudo recente publicado no periódico médico Journal of Cancer Education concluiu que a dor oncológica continua sendo bastante comum porque existem muitas barreiras para que ela seja adequadamente gerenciada. Saiba quais são elas:

  • Receio da dependência de analgésicos
  • Intolerância aos medicamentos
  • Possíveis efeitos colaterais

Como o tratamento pode durar no tempo, uma das soluções possíveis é adotar uma abordagem que integre terapias complementares ou integrativas. A ideia é, gradativamente, reduzir o uso de fármacos e, assim, diminuir seus efeitos colaterais.

E algumas dessas intervenções são até recomendadas por um dos órgãos mais respeitados dos Estados Unidos – a American Cancer Society (ACS), como você verá a seguir.

Mas esteja atento: a própria instituição adverte: a “dor pode ser um sinal de que o câncer se espalhou, uma infecção teve início, ou sinaliza que o tratamento pode estar causando algum tipo de problema. E ela ainda pode aparecer por outro motivo diverso do câncer.

Por isso, fale com seu médico sobre o aparecimento de algum novo sintoma antes de tentar saná-lo por conta própria”.


Uso Seguro

Antes de submeter-se a alguma prática da medicina complementar ou integrativa, a ACS sugere que o paciente oncológico adote as seguintes regras gerais:  

Evite suspender as medicações indicadas por seu médico – você pode até colocar em prática técnicas de relaxamento, mas siga tomando seus remédios na forma orientada pelo especialista;

Respeite seus limites – durante o tratamento haverá períodos de maior e menor energia. Aproveite os momentos em que se sente mais ativo para práticas que demandem maior atenção; nos dias em que se sentir cansado, dedique-se a atividades menos intensas ou simplesmente descanse;

Esteja aberto às possibilidades – lembre: cada pessoa é única. O que funcionou para um conhecido, pode não funcionar para você. Mantenha-se aberto para tentar novas técnicas e práticas para identificar a que lhe traz mais benefício.


Práticas Que Controlam O Incômodo

Confira algumas das estratégias mais usadas no tratamento da dor oncológica:

Biofeedbacka prática tem como objetivo estimular o relaxamento e o controle da dor por meio de um dispositivo eletrônico capaz de registrar as funções do sistema nervoso autônomo;

Suporte emocional ou terapia quando nos sentimos ansiosos e deprimidos, a sensação de dor aumenta. E aí começa um círculo vicioso: quanto mais ansiedade, medo, depressão, desesperança, raiva, mais dor. E quanto mais dor, maior presença desses sentimentos.

psicologo

Fale com um psicólogo ou psiquiatra integrante do grupo multidisciplinar que o esteja acompanhando. Caso isso não seja possível, converse com alguém de sua confiança.

Pode ser um familiar, amigos, algum líder espiritual, ou outras pessoas que estejam passando por um momento semelhante ao seu. Informe-se se existe algum grupo de apoio no local em que você esteja sendo tratado, ou mesmo procure algum deles nas redes sociais;

Imaginação ativa até o momento não se sabe qual é o mecanismo de controle da dor promovido por essa prática, mas imagina-se que ela seja uma combinação entre o relaxamento e a distração, e seus efeitos podem durar por horas.

Basta fechar os olhos, controlar a respiração e criar imagens mentais de situações que possam estimular seus sentidos, trazendo-lhe sensações de prazer. Vale recriar locais visitados ou momentos que lhe trouxeram satisfação. Alguns especialistas a definem como uma auto-hipnose. Relaxamento, redução da ansiedade e sono de qualidade são alguns de seus benefícios;

Relaxamento as técnicas para esse fim não só aliviam a dor como ajudam a dormir melhor, garantem mais energia, reduzem a sensação de cansaço e ansiedade, e ainda contribuem para o melhor efeito de outros métodos de controle da dor.

Peça orientação a seu médico sobre as melhores práticas no seu caso (técnicas respiratórias, meditativas etc.). Explore e escolha a que melhor atende às suas necessidades;

Massagem: movimentos circulares e suaves, realizados sobre ou próximos à área dolorosa podem reduzir a dor. Fale com seu médico para saber se essa prática por ser feita sem riscos para você, especialmente durante a radioterapia ou se existem pontos de inchaço, vermelhidão ou queimadura na superfície da sua pele;

Compressas quentes ou frias: a do tipo quente alivia a tensão muscular; já a fria “anestesia” a região dolorida. A depender do seu caso, elas podem ser alternadas. Prefira as bolsas com gel que podem ser encontradas nas farmácias e use-as por, no máximo, 10 minutos.

Mas atenção: antes de usá-las, converse com seu médico, especialmente se estiverem em curso a radioterapia ou a quimioterapia;

Cremes ou loções à base de mentol esses produtos podem aliviar a dor, mas fale com seu médico antes de usá-lo, especialmente porque eles podem piorar os efeitos colaterais de algum tratamento em curso. E evite-o, caso esteja fazendo radioterapia ou quimioterapia;

Distrações toda atividade que permite que você permaneça focado sem concentrar-se na dor pode ser útil – vale ver um filme, escutar música, ler, rezar, recitar mantras, tricotar e até receber visitas pode ajudar. A prática é mais indicada para dores leves a moderadafs, ou picos de dor – após uma cirurgia, por exemplo – ou enquanto se espera os efeitos dos analgésicos.


O Valor da Acupuntura

acupuntura dor oncologica indicacoes 1
Indicações da Acupuntura

A acupuntura, prática da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) está em primeiro lugar entre as técnicas indicadas pela ACS, e me refiro a ela de modo destacado porque a acupuntura é considerada segura e eficaz para tratar e aliviar vários sintomas e condições associados ao câncer.

Na última década, o número de centros de referência especializados em oncologia já incluiu a acupuntura em seus serviços, sendo exemplos o renomado Dana Faber Cancer Institute, em Boston, e o MD Anderson Cancer Center em Houston.

A prática é até mesmo recomendada pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO).

No Brasil não é diferente, e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) já declarou que ela não é contraindicada. Na verdade, essa tendência reflete dados da adesão de 48% a 83% dos pacientes oncológicos a algum tipo de prática da medicina complementar ou integrativa.

No caso da acupuntura, estima-se que até 31% desse grupo tem se beneficiado com essa técnica.

As pesquisas nesta área só crescem, assim como as evidências de que a prática milenar pode ser efetiva para controlar náuseas e vômitos decorrentes da quimioterapia, cansaço e boca seca (xerostomia).

A lista de benefícios ainda inclui alívio para os sintomas da depressão e da ansiedade, fogachos, leucopenia (baixa taxa de glóbulos brancos), neuropatia (fraqueza nos nervos), insônia e dispneia (falta de ar).

Acupuntura – BenefíciosDescrição
Reduz os hormônios do estresseReduz cortisol, adrenalina e noradrenalina
Aumenta endorfinasAumenta a liberação de endorfinas do cérebro
Regula o sistema nervosoEstimula o sistema nervoso parassimpático e reduz a atividade do sistema nervoso simpático
Melhora a circulaçãoAumenta o fluxo sanguíneo local e a oxigenação
Reduz a inflamaçãoReduz citocinas pró-inflamatórias


Um Destaque Para a Dor

Há mais de 30 anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS), sugeriu que o controle da dor oncológica obedecesse a determinados critérios. A estratégia visava prevenir o abuso do uso de analgésicos, especialmente os opioides.

Assim, o plano terapêutico deveria começar a partir de medidas mais simples (como o uso de analgésicos não esteroidais), até chegar a medicações mais potentes e, também, mais arriscadas.

Apesar desses cuidados e mesmo com o uso desses analgésicos mais fortes, sabemos que mais de 70% desses pacientes seguem sofrendo com as várias modalidades de dor.

É aqui que entra o poder da acupuntura, cujo efeito benéfico nesse sentido tem sido exaustivamente reconhecido, especialmente no tratamento da dor articular, do joelho, ombro, pescoço e até de dente.

Tais resultados, por si, já dariam suporte ao proveito dessa prática na oncologia. Mas acrescento que a dor oncológica resulta da combinação de fatores biopsicossociais – e a acupuntura tem ação positiva na saúde psicológica.

Ademais disso, a maioria dos pacientes com câncer são idosos e, entre eles, há um número significativo de pessoas com dores crônicas.

A acupuntura, efetivamente, tem ação sobre esse tipo de dor e, de tal forma, que pode até levar à redução do uso de analgésicos.


Entenda Como Isso Acontece

Há 60 anos os cientistas têm estudado os mecanismos de ação envolvidos nesse processo.

O que sabemos, até o momento, é que a acupuntura promove a ação de susbtâncias analgésicas naturais (opioides endógenos), bem como a redução da inflamação, aumento da circulação periférica e ainda leva a efeitos metabólicos e vasculares do Sistema Nervoso Central (CNS).

Sob o ponto de vista da MTC, o poder da acupuntura decorre da promoção do equilíbrio do Qi nos meridianos do seu organismo.

Durante a terapia oncológica, e na presença da dor, a MTC pode ser uma grande aliada.

As evidências científicas indicam que a acupuntura “é uma terapia segura e efetiva no gerenciamento dos sintomas relacionados ao câncer e seus tratamentos, e ainda dá a seus pacientes a possibilidade de participar ativamente do próprio plano terapêutico”.

Esses dados foram publicados no periódico médico Hematology/Oncology Clinics North America.

A única coisa que você precisa fazer para se beneficiar disso é ter uma atitude ativa.


Referências

INCA (Instituto Nacional de Câncer); ACS (American Cancer Society); IASP (International Association for the Study of Pain);

Makhlouf SM, Pini S, Ahmed S, Bennett MI. Managing Pain in People with Cancer-a Systematic Review of the Attitudes and Knowledge of Professionals, Patients, Caregivers and Public. J Cancer Educ. 2020;

Chiu HY, Hsieh YJ, Tsai PS. Systematic review and meta-analysis of acupuncture to reduce cancer-related pain. Eur J Cancer Care (Engl). 2017;

Michael Malone, Gary Tsai. A Review of the Current Acupuncture Mechanisms of Action from Both an Eastern and Western Perspective. Acupuncture. SMGEGroup. 2017;

Paley CA, Johnson MI, Tashani OA, Bagnall AM. Acupuncture for cancer pain in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2011;

Lu, Weidong et al. “The value of acupuncture in cancer care.” Hematology/oncology clinics of North America vol. 22,4 (2008).

Dr. Marcus Yu Bin Pai

CRM 158074 / RQE 65523, 65524 | Médico especialista em Acupuntura e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP. Diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).

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CRM 158074 / RQE 65523, 65524 | Médico especialista em Acupuntura e Fisiatria pela USP. Área de Atuação em Dor pela Associação Médica Brasileira. Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Professor e Colaborador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP. Diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).

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