Chantagem emocional, termo superficial usado com frequência para falar de algo que é muito mais complexo. Utilizaremos aqui, para nos referirmos com a devida importância à problemática do tema, um outro termo. Conhecido como Gaslighting, a expressão surge a partir de um filme do diretor George Cukor, o Gaslight (1944), em português traduzido para À meia-luz.
Não é por menos que trago o filme para tratarmos do tema. O escopo desta obra cinematográfica muito nos interessa, principalmente, porque retrata como, cotidianamente, jogos mentais vão ganhando força naquilo que se propõem: criando conflitos internos na psique da vítima, fazendo com que duvide de si própria.
A trama gira em torno de um casal, e das artimanhas utilizadas pelo marido para fazer com que sua esposa acredite estar enlouquecendo. No filme em questão, Paula, a protagonista, é submetida a constantes episódios de manipulação psicológica. Um deles é o que dá nome a película. Gaslight, em tradução livre para o português, significa “luz a gás”, referenciando uma cena específica, na qual a mulher percebe uma súbita mudança de luz. O marido, é claro, nega que tenha acontecido, fazendo com que ela se questione sobre o que viu de fato.
Em outro momento, Gregory, o marido, flerta com a empregada do casal. Nessa cena, os três estão no mesmo cômodo da casa. O cortejo se dá com a presença da esposa, que tenta não demonstrar desconforto ou ciúme.
Quando a empregada se retira da sala, a esposa questiona Gregory sobre o que acabara de presenciar. O marido, com toda sua perspicácia, sugere que Paula está, novamente, imaginando coisas.
Isso não cessa. Gregory esconde coisas de casa, com o intuito de convencer sua mulher de quem foi ela própria quem as perdeu, entre várias outras situações cotidianas e sutis. Essas duas últimas palavras interessam aqui para prosseguirmos a reflexão.
Como identificar situações de manipulação psicológica e gaslighting
Por ser um termo inglês, gaslighting, pode deixar escapar o significado contido na palavra. Contudo, refere-se ao processo de distorcer a realidade de alguém, de maneira sutil e corriqueira. Ou seja, não é fácil de identificar se você está ou não sofrendo gaslighting, muitas vezes pode ser quase imperceptível. O Gaslighting é considerado uma violência psicológica, cometida através de ações e falas que fazem o outro questionar-se sobre suas próprias certezas.
Como menciona Valeska Zanello – professora de psicologia clínica da UnB –, em entrevista para o Fantástico[1]: o gaslighting produz na vítima “- dúvida acerca da própria percepção e da sanidade mental”. A professora complementa, com uma frase de alerta: “- Eu acho impossível ser mulher heterossexual no Brasil e nunca ter sofrido gaslighting numa relação amorosa”.
“Isso é coisa da sua cabeça”, “Você está imaginando coisas”, “Você é louca”, “Você está histérica”…
Já ouviu isso antes?
Entre tantas outras frases que poderia citar, essas são as mais corriqueiras e cotidianas. Frases que eu inclusive também ouvi. Não é fora do comum, em discussão de relacionamento, se deparar com uma fala dessa vindo em sua direção. A questão é o resultado, a proporção e o peso que expressões como essas tomam em nossa psique.
Punição por meio de jogos mentais, falas que produzem desestabilização emocional (Leia mais sobre clicando aqui), chantagens, desvalorização da opinião da vítima, bem como, seus gostos, ações; abusos quase que imperceptíveis, são apenas algumas das variadas características do gaslighting.
Algo importante a ser mencionado, é o fato de que, acompanhado de ações como as acima citadas, o gaslighting pode esconder-se por detrás de comportamento afetuoso e preocupado. Tornando mais complexo ainda o processo de dar-se conta da relação de violência psicológica, na qual se está vivendo.
O efeito disso na subjetividade da vítima é de enfraquecimento do ego e da moral e desacreditamento de si próprio. Inclusive, o que acontece com muitas pessoas que estão em relações, nas quais são vítimas de gaslighting, é desvalorizar sua própria opinião e raciocínio. Acabando por concordar com o agressor, em muitas de suas colocações e comportamentos agressivos.
O sujeito que sofre com esse tipo de violência psicológica se encontra enfraquecido de si. Em dúvida de sua capacidade e validade no mundo. Já não sabe se pode confiar em seu próprio pensamento e sentimento. Assim, em inúmeros casos de gaslighting, é muito difícil abandonar a relação. Pois, a vítima é levada a acreditar que é culpada pelas situações apontadas pelo companheiro.
Os reflexos da vítima de manipulação psicológica e gaslighting
Como resultado desse processo de distorção da realidade, são produzidas ideias que se confundem na cabeça da vítima, o que antes era dúvida:
Será mesmo que eu estou imaginando isso?
Começa a ser invertido para:
Ele deve estar certo, deve ser coisa da minha cabeça, mais uma vez…
Pensamentos disruptivos como esse vão sendo construídos dia a dia. É quase como se fosse possível ouvir uma voz que diz: não é seguro confiar em você mesmo.
Obviamente que, o gaslighting não acontece apenas em relações românticas. Isso também é comum no trabalho – quando o chefe/supervisor invalida o trabalhador –, ou mesmo na família, por parte de algum parente. Contudo, é mais recorrente nas relações amorosas heterossexuais, nas quais o homem é o agressor e a mulher é a vítima.
O que torna complexa a tarefa de reconhecimento por parte da vítima, é de que, comumente, as situações vexatórias pelas quais é exposta, acontecem dentro de casa. Como já dito anteriormente, são agressões sutis. Quem pratica esse tipo de violência, o faz de modo a se autopreservar. Sendo cuidadoso para não ser pego. A intenção do agressor é, justamente, fazer com que o próprio círculo da vítima concorde com ele. “Ela está louca, de fato”.
Então, como sair dessa situação?
Se você conhece alguém que passa por circunstâncias como as acima citadas, tenha paciência. Essas pessoas são, antes de tudo, vítimas de uma violência silenciosa. Acolha, escute, deixe ela saber que tem alguém para confiar. Lembre-se, quem está sofrendo gaslighting, encontra-se em estado depreciativo de si mesmo.
E, no caso de você ter se identificado com as frases e exemplos descritos, procure um profissional da psicologia. Você encontrará o amparo que precisa para sair dessa situação e se libertar de uma relação abusiva.