A displasia fibromuscular (DFM) é uma doença arterial não aterosclerótica e não inflamatória caracterizada por proliferação celular anormal e arquitetura distorcida da parede arterial. A DFM afeta principalmente artérias de pequeno e médio calibre, como as artérias renais e as artérias carótidas e vertebrais extracranianas, embora possa envolver quase todos os leitos arteriais e frequentemente apresente envolvimento multivascular[1]Gornik HL, Persu A, Adlam D, Aparicio LS, Azizi M, Boulanger M, Bruno RM, De Leeuw P, Fendrikova-Mahlay N, Froehlich J, Ganesh SK. First international consensus on the diagnosis and management of … Continue reading.
A maioria dos pacientes com DFM são mulheres, representando cerca de 80-90% dos casos.
A displasia fibromuscular é uma doença sem causa conhecida, não relacionada a inflamações ou aterosclerose, normalmente impactando artérias como as renais e as carótidas, mas podendo se manifestar em qualquer leito arterial.
Apesar de ser mais comumente associada à hipertensão renal, a displasia fibromuscular também pode causar acidentes vasculares cerebrais em adultos jovens. Essa condição pode ainda afetar outras artérias como as coronárias, a aorta e até a artéria pulmonar. O diagnóstico e o tratamento precoces são importantes para um prognóstico a longo prazo[2]Slovut DP, Olin JW. Fibromuscular dysplasia. New England Journal of Medicine. 2004 Apr 29;350(18):1862-71..
A DFM pode se manifestar como lesões multifocais, que apresentam um padrão de “contas de rosário” na angiografia, ou como lesões focais. Além disso, a doença pode levar a estenose arterial, dissecção, aneurisma e tortuosidade.
Aspecto | Detalhes |
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Definição | Displasia Fibromuscular é uma doença não-aterosclerótica e não-inflamatória que causa o crescimento anormal das células na parede das artérias, levando a áreas de estreitamento (estenose) e, ocasionalmente, a dilatações (aneurismas). |
Localizações Comuns | Afeta principalmente as artérias renais e as artérias carótidas, mas pode ocorrer em quase qualquer artéria do corpo, incluindo as artérias vertebrais e as arteriais do abdômen e membros. |
Sintomas | Os sintomas variam dependendo das artérias afetadas, incluindo pressão arterial elevada (hipertensão) devido ao estreitamento das artérias renais, dores de cabeça, tontura, zumbido nos ouvidos, e em casos mais graves, complicações como acidente vascular cerebral (AVC). |
Diagnóstico | O diagnóstico é geralmente feito por métodos de imagem, como angiografia por tomografia computadorizada (angio-TC), ressonância magnética (angio-RM) ou ultrassom Doppler das artérias afetadas. |
Tratamento | Inclui o uso de medicamentos para controlar a pressão arterial, procedimentos como angioplastia para abrir as artérias estreitadas, ou, em casos específicos, cirurgia vascular. |
Prognóstico | A DFM é uma condição crônica que pode ser controlada com tratamento adequado, mas requer monitoramento regular para evitar complicações, como aneurismas ou dissecações arteriais. |
Causas
Apesar de muitas teorias terem sido propostas, a causa exata da displasia fibromuscular permanece desconhecida. Há suspeitas de que uma predisposição genética possa estar envolvida, já que a doença afeta principalmente indivíduos de ascendência caucasiana e está ligada ao antígeno de histocompatibilidade HLA-DRw6.
É importante lembrar que a displasia fibromuscular foi primeiramente observada em primos e gêmeos monozigóticos.A predominância de casos em mulheres e a maior incidência durante a gravidez sugerem um possível papel do estrogênio no desenvolvimento da doença.
Além desses achados sugestivos de uma origem genética e hormonal, casos de displasia fibromuscular também foram relacionados a distúrbios de coagulação, como a mutação do fator V Leiden, presença de anticorpos antifosfolipídicos, influências mecânicas decorrentes de estresse e hábito de fumar.
Grupos de Risco
Os grupos de risco mais comuns para a displasia fibromuscular (DFM) são:
- Mulheres: A DFM afeta predominantemente mulheres, representando cerca de 85-91% dos casos. A faixa etária mais comum é entre 20 e 60 anos, com uma média de idade ao diagnóstico em torno de 46-52 anos.
- Caucasianos: A maioria dos pacientes com DFM são caucasianos, com uma prevalência de aproximadamente 80-88%.
- Pacientes com hipertensão: A hipertensão é uma manifestação comum em pacientes com DFM, especialmente quando a doença afeta as artérias renais.
- História familiar de doenças vasculares: Embora a DFM em parentes de primeiro ou segundo grau seja rara, uma história familiar de acidente vascular cerebral, aneurisma ou morte súbita é comum entre os pacientes com DFM.
Esses grupos de risco destacam a importância de uma avaliação cuidadosa e sistemática em pacientes que apresentam sintomas sugestivos de DFM, especialmente em mulheres jovens com hipertensão ou sintomas neurológicos.
Sintomas
Os sintomas que surgem na displasia fibromuscular variam conforme a artéria afetada e o grau de obstrução do fluxo sanguíneo arterial. As manifestações mais frequentes envolvem complicações cerebrovasculares quando a artéria carótida está comprometida, assim como hipertensão secundária causada pela displasia fibromuscular na artéria renal. Em outras artérias, a condição pode permanecer assintomática.
Quando a displasia fibromuscular afeta a artéria renal, a obstrução do fluxo sanguíneo resulta em isquemia e perda gradual do tecido renal, acompanhada de quadros clínicos de hipertensão arterial.
As manifestações neurológicas incluem episódios transitórios de isquemia, acidentes vasculares cerebrais, hemorragias subaracnoides, além de sintomas inespecíficos como dores de cabeça, vertigens, zumbidos, perda parcial da visão, fraqueza nas pernas, alterações mentais, todos dependendo da área do cérebro afetada.
Também foram registrados casos de aumento do apetite, sono excessivo, faltas no trabalho ou escola e alucinações visuais ligadas à afetação do núcleo caudado, resultante do bloqueio da artéria.
Quando há estenose nas artérias coronárias, o paciente pode não apresentar sintomas como angina, mas é provável que apresente mudanças nos resultados de eletrocardiogramas, como fibrilação ventricular, surgimento de onda Q e elevação no segmento ST.
Diagnóstico
Quando a displasia fibromuscular afeta os rins, o único sinal no exame físico que poderia indicar essa condição é a presença de um sopro que ocorre durante os batimentos cardíacos, tanto na fase de contração quanto na de relaxamento, no abdômen ou na região do flanco.
Para investigar a existência de lesões decorrentes da displasia fibromuscular, em algumas situações, a ultrassonografia com doppler, a angiotomografia computadorizada e a angiorressonância magnética podem ser ferramentas úteis. Estes exames são importantes para também descartar a presença de aneurismas dentro do cérebro.
Exame | Descrição | Vantagens |
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Angiotomografia Computadorizada (Angio-TC) | Exame de imagem que utiliza raios-X e contraste para visualizar as artérias em detalhes, detectando estreitamentos, tortuosidades e aneurismas típicos da displasia fibromuscular. | Alta resolução e capacidade de fornecer imagens tridimensionais das artérias afetadas. |
Angiografia por Ressonância Magnética (Angio-RM) | Usa ondas de rádio e campo magnético para criar imagens detalhadas das artérias, sem a necessidade de radiação ionizante. | Não utiliza radiação e é útil para pacientes com alergia ao contraste iodado utilizado em Angio-TC. |
Ultrassonografia Doppler | Método não invasivo que utiliza ondas sonoras para avaliar o fluxo sanguíneo nas artérias, identificando estreitamentos e alterações na parede arterial. | Não invasivo, sem radiação, e útil como exame inicial em suspeitas de DFM, especialmente nas artérias renais. |
Angiografia Convencional | Exame invasivo em que um cateter é inserido na artéria e um contraste é injetado, permitindo visualização direta das artérias em tempo real. | Considerado o padrão-ouro para diagnóstico de DFM, possibilitando intervenções terapêuticas como a angioplastia durante o mesmo procedimento. |
Tomografia Computadorizada (TC) Abdominal | Utilizada para avaliar as artérias abdominais, especialmente as artérias renais, identificando possíveis estreitamentos causados pela DFM. | Fornece imagens detalhadas da anatomia abdominal e das artérias renais, útil na avaliação inicial. |
O diagnóstico é feito através de exames histopatológicos ou angiográficos. Além de ser um meio de diagnóstico, esses exames também podem indicar qual camada arterial está afetada, já que cada uma apresenta características distintas nas imagens.
O acometimento da camada média geralmente exibe um padrão reconhecido como “colar de pérolas”, onde há uma alternância de espessamento e afinamento na artéria em questão. Essa condição é mais comum nas porções médias e distais das artérias carótida e vertebral. Em contraste, uma lesão na camada íntima manifesta-se como uma estreitamento focal e concêntrico nas imagens angiográficas, enquanto uma lesão na camada adventícia parece uma constrição tubular.
Além desses padrões, a parede da artéria pode passar por mudanças. Em alguns casos, ela pode ficar mais fina devido à ruptura da lâmina elástica interna, levando à formação de um aneurisma.
Por outro lado, também pode engrossar devido a lesões displásicas, resultando em estenose – uma condição observada em aproximadamente 16% a 38% dos casos que afetam artérias renais. Importante destacar que, na ocorrência de estenose, é raro que a obstrução seja completa.
A displasia fibromuscular pode se manifestar como uma doença vascular sistêmica, assemelhando-se a vasculites. É importante compreender isso, porque tanto a vasculite quanto a displasia fibromuscular podem apresentar evoluções graves, exigindo abordagens terapêuticas diferentes.
Tratamento
A displasia fibromuscular é uma doença de evolução gradual, sendo importante monitorar regularmente os pacientes por meio de angiografias periódicas. O tratamento ainda é alvo de discussões e, por isso, é recomendado apenas nos casos em que os sintomas estão presentes.
Os principais alvos terapêuticos no tratamento da displasia fibromuscular incluem o controle dos fatores de risco, o controle da pressão arterial e a prevenção de eventos isquêmicos.
Quando a condição se manifesta com um episódio transitório de isquemia, uma abordagem possível é tentar o tratamento utilizando trombolíticos ou a trombectomia percutânea. É fundamental manter em mente o diagnóstico de displasia fibromuscular em indivíduos jovens que experimentam um AVC. Se a displasia fibromuscular for identificada através de exames de imagem de rotina sem sintomas aparentes, a introdução de agentes antiplaquetários é recomendada.
A dissecção arterial é geralmente tratada com anticoagulação, contanto que não haja suspeita de hemorragia. O protocolo de tratamento consiste em um período de 3 a 6 meses com o uso de varfarina.
No tratamento da displasia fibromuscular renal, o controle da pressão arterial é muito importante. A opção de tratamento preferencial envolve o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina, devido à ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona na displasia fibromuscular renal.
É fundamental monitorar a função renal, uma vez que a lesão renal aguda pode complicar o tratamento, principalmente em casos de estenose bilateral da artéria renal ou em pacientes com apenas um rim. Outros medicamentos anti-hipertensivos, como diuréticos, bloqueadores dos canais de cálcio e betabloqueadores, são adicionados conforme necessário para alcançar o controle adequado da pressão arterial.
É necessário encorajar a cessação do hábito de fumar, já que os indivíduos fumantes geralmente experimentam um curso mais agressivo em comparação com os não fumantes.
A revascularização é recomendada para adultos jovens que sofrem de hipertensão resistente, com o intuito de prevenir a nefropatia isquêmica decorrente de uma estenose grave, buscando a cura da hipertensão. Esse procedimento pode ser realizado através de cirurgia ou angioplastia percutânea transluminal. Além disso, a revascularização pode ser indicada em casos de aneurisma ou dissecção da artéria afetada.
A opção preferencial é a angioplastia transluminal percutânea, por ser menos invasiva, pelo menor custo e menor incidência de complicações, em comparação à cirurgia. Recomenda-se realizar um acompanhamento utilizando ultrassonografia Duplex, com consultas de pós-operatório, exames semestrais nos dois primeiros anos e, depois, anualmente.
Complicações Comuns Associadas
As complicações mais comuns associadas à displasia fibromuscular (DFM) incluem:
- Dissecção arterial: A dissecção é uma complicação frequente, ocorrendo em aproximadamente 25.7% dos pacientes com DFM. As artérias extracranianas carótidas, vertebrais, renais e coronárias são os locais mais comuns de dissecção.
- Aneurismas: Aneurismas são encontrados em cerca de 21.7% dos pacientes com DFM, com os locais mais comuns sendo as artérias carótidas extracranianas, renais e intracranianas.
- Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Ataque Isquêmico Transitório (AIT): A DFM pode levar a eventos isquêmicos cerebrais devido à estenose arterial, dissecção ou formação de trombos. A prevalência de AIT é de 13.4% e de AVC é de 9.8% entre os pacientes com DFM.
- Hipertensão renovascular: A estenose das artérias renais pode resultar em hipertensão renovascular, que é uma manifestação comum da DFM.
- Tortuosidade arterial: A DFM pode causar tortuosidade das artérias, o que pode contribuir para sintomas neurológicos e complicações vasculares.
Essas complicações destacam a necessidade de uma avaliação abrangente e sistemática dos pacientes com DFM, incluindo a imagem de todas as camas vasculares relevantes, conforme recomendado pela Sociedade de Medicina Vascular (SVM).
Referências Bibliográficas
↑1 | Gornik HL, Persu A, Adlam D, Aparicio LS, Azizi M, Boulanger M, Bruno RM, De Leeuw P, Fendrikova-Mahlay N, Froehlich J, Ganesh SK. First international consensus on the diagnosis and management of fibromuscular dysplasia. Vascular Medicine. 2019 Apr;24(2):164-89. |
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↑2 | Slovut DP, Olin JW. Fibromuscular dysplasia. New England Journal of Medicine. 2004 Apr 29;350(18):1862-71. |