O canabidiol, comumente referido como CBD, é um tratamento novo e vem sido mais estudado para a dor crônica.
O óleo de CBD é derivado de uma planta chamada cannabis sativa. A planta tem mais de 100 compostos químicos, chamados canabinóides, que têm uma série de efeitos, incluindo qualidades anti-inflamatórias e analgésicas (alívio da dor).
O canabidiol é um ingrediente promissor na indústria farmacêutica – onde pode ter um importante papel terapêutico em muitas áreas da saúde, incluindo controle da dor crônica, epilepsia, câncer e distúrbios do humor.
O que é dor crônica?
A dor crônica é definida como qualquer dor com duração superior a 12 semanas. Estima-se que um em cada cinco brasileiros sofra de dor crônica. Os opiáceos são o tratamento mais comum para a dor crônica, embora pesquisas substanciais mostrem que eles não são eficazes, requerem doses crescentes e apresentam um perfil altamente viciante.
Mesmo quando o alívio da dor é obtido, os medicamentos atuais podem ter efeitos colaterais significativos – incluindo o potencial de abuso/uso indevido – e geralmente são inadequados para uso a longo prazo.
O CBD pode ajudar a reduzir a dor agindo em uma variedade de processos biológicos no corpo. O CBD demonstrou funcionar como anti-inflamatório, antioxidante e analgésico. O CBD também pode reduzir a ansiedade que as pessoas que vivem com dor crônica costumam apresentar.
Como o canabidiol pode ajudar na dor crônica?
O mecanismo de ação do CBD para dor crônica envolve várias vias moleculares e celulares. Primeiramente, o CBD modula a transmissão serotoninérgica, particularmente através dos receptores 5-HT1A. Estudos demonstraram que o CBD pode diminuir a taxa de disparo dos neurônios serotoninérgicos no núcleo dorsal da rafe, o que é revertido pelo antagonista do receptor 5-HT1A, WAY 100635, e pelo antagonista do receptor TRPV1, capsazepina.[1]De Gregorio D, McLaughlin RJ, Posa L, Ochoa-Sanchez R, Enns J, Lopez-Canul M, Aboud M, Maione S, Comai S, Gobbi G. Cannabidiol modulates serotonergic transmission and reverses both allodynia and … Continue reading
Além disso, o CBD interage com canais de sódio dependentes de voltagem, particularmente os canais Na1.8, inibindo a excitabilidade dos neurônios nociceptivos primários. Essa inibição é dependente do estado dos canais, com o CBD mostrando uma ligação especialmente forte aos estados inativados lentos dos canais Na1.8, o que contribui para a inibição eficaz do disparo repetitivo.[2]Zhang HX, Bean BP. Cannabidiol inhibition of murine primary nociceptors: tight binding to slow inactivated states of Nav1. 8 channels. Journal of Neuroscience. 2021 Jul 28;41(30):6371-87.
O CBD também modula a atividade neuronal e a neuroinflamação em circuitos corticolímbicos, como o córtex cingulado anterior, a amígdala basolateral e o hipocampo. Isso é evidenciado pela redução da expressão de marcadores de neuroinflamação, como GFAP e IBA-1, e pela diminuição da hiperatividade neuronal medida pela expressão da proteína FosB.[3]Silva-Cardoso GK, Lazarini-Lopes W, Primini EO, Hallak JE, Crippa JA, Zuardi AW, Garcia-Cairasco N, Leite-Panissi CR. Cannabidiol modulates chronic neuropathic pain aversion behavior by attenuation … Continue reading
Adicionalmente, o CBD atua como um modulador alostérico negativo do receptor CB1 e como um agonista fraco inverso do receptor CB2, além de interagir com receptores não canabinoides, incluindo os receptores de serotonina 1A (5-HT1A) e vaniloide 1 (TRPV1), que regulam a percepção da dor.[4]Shah S, Schwenk ES, Sondekoppam RV, Clarke H, Zakowski M, Rzasa-Lynn RS, Yeung B, Nicholson K, Schwartz G, Hooten WM, Wallace M. ASRA Pain Medicine consensus guidelines on the management of the … Continue reading
Esses mecanismos combinados sugerem que o CBD pode exercer efeitos analgésicos através da modulação da neurotransmissão serotoninérgica, inibição da excitabilidade neuronal e redução da neuroinflamação, tornando-o uma opção promissora para o tratamento da dor crônica.
Tipos de dor que o CBD pode aliviar incluem:
- Dor da artrite
- Dor da artrite reumatóide
- Dor da osteoartrite
- Dor do câncer e tratamento do câncer
- Dor da Esclerose Múltipla
- Síndrome da dor crônica
- Fibromialgia
Para esta matéria, convidamos a Dra. Carolina Nocetti, Médica e Consultora Técnica em Terapia Canabidnoide, para uma conversa esclarecedora, desmistificando o uso medicinal da cannabis para o tratamento de dores crônicas.
Vejo na mídia muitos relatos do uso com sucesso para dores reumatológicas, como artrite reumatóide e fibromialgia.
Em sua experiência, para quais tipos de dores crônicas o CBD funciona?
A Associação Internacional para Estudo da Dor define a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em termos dessa lesão. A dor crônica tem como um dos critérios diagnósticos a duração por um tempo maior que 3 meses, caracterizando-se por persistência de dor física, deficiência, distúrbio emocional e afastamento social.
O tratamento para este tipo de dor é realizado através do uso de analgésicos, anti-inflamatórios não esteroidais e opioides fracos, mas infelizmente, este regime terapêutico não responde à altura do esperado para muitos pacientes.
Os produtos de Cannabis nesse sentido, tem sido utilizado para o manejo de quadros como fibromialgia, lombalgias, cefaléia, endometriose, dor em pacientes com esclerose múltipla, artrite, dor ocasionada por quimioterápicos e outros tipos de dores mas principalmente dor neuropática.
Como o CBD funciona para o tratamento de dor crônica?
Diversos estudos têm detalhado o efeito positivo do uso dos produtos de Cannabis em pacientes com dor crônica, sendo que essa abordagem farmacoterapêutica é cada vez mais comum em protocolos clínicos.
Os pacientes relatam diminuição no quadro de dor espontânea, redução da percepção da dor, diminuição no número de outras medicações utilizadas para controle da dor como por exemplo, opioides e melhora na qualidade de vida, principalmente por melhorar a qualidade do sono e reduzir os níveis de ansiedade.
No manejo dos pacientes com dor crônica, é muito comum a utilização dos produtos de Cannabis que contenham na sua fórmula, tanto o CBD quanto o THC para um melhor efeito global do quadro. O THC de fato tem maior efeito analgésico enquanto o CBD tem maior potencial anti-inflamatório.
Em quanto tempo é possível esperar resultados?
A resposta ao tratamento varia de paciente para paciente. Alguns pacientes podem apresentar respostas satisfatórias já na primeira semana de uso, outros vão precisar de um tempo maior e respondem em algumas semanas quando fazem ajuste da terapia e atingem uma dose terapêutica adequada para o seu quadro.
O uso do Canabidiol em idosos é seguro?
Muitos pacientes com dores crônicas são pacientes idosos, mais fragilizados. O uso do CBD nestes casos é seguro?
É sim. O uso dos produtos de Cannabis têm sido investigado em pacientes de diferentes quadros e idades, inclusive em pacientes idosos.
Os resultados sempre consideram a segurança e mostram que os idosos não sofrem de nenhuma complexidade maior frente ao uso dos produtos de Cannabis ou óleo rico em CBD.
Uma revisão sistemática e meta-análise por Pisani et al. examinou a segurança e tolerabilidade de medicamentos à base de canabinoides, incluindo CBD, em adultos mais velhos (idade média ≥50 anos). O estudo descobriu que o CBD teve uma baixa incidência de eventos adversos de todas as causas e relacionados ao tratamento e nenhum evento adverso sério foi relatado.[5]Pisani S, McGoohan K, Velayudhan L, Bhattacharyya S. Safety and tolerability of natural and synthetic cannabinoids in older adults: a systematic review and meta-analysis of open-label trials and … Continue reading.
Outra meta-análise por Velayudhan et al. apoiou essas descobertas, indicando que o CBD não aumentou significativamente a incidência de eventos adversos ou abstinências em comparação aos controles.[6]Velayudhan L, McGoohan K, Bhattacharyya S. Safety and tolerability of natural and synthetic cannabinoids in adults aged over 50 years: A systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine. 2021 Mar … Continue reading
Estudos preliminares mostraram um efeito favorável do CBD na redução da dor. No entanto, mais pesquisas são necessárias na forma de ensaios maiores e bem desenhados de maior duração para determinar sua eficácia e segurança a longo prazo.
Canabidiol para Fibromialgia
Uma grande pesquisa online indicou que o uso de CBD é comum entre indivíduos com fibromialgia, com muitos relatando melhorias em sintomas como dor, sono e bem-estar geral. No entanto, o estudo também destacou a necessidade de pesquisas mais rigorosas para estabelecer relações causais e entender melhor o potencial terapêutico do CBD para fibromialgia.[7]Boehnke KF, Gagnier JJ, Matallana L, Williams DA. Cannabidiol use for fibromyalgia: prevalence of use and perceptions of effectiveness in a large online survey. The journal of pain. 2021 May … Continue reading
Uma revisão sistemática da literatura descobriu que, embora alguns ensaios retrospectivos e pesquisas com pacientes sugiram alívio significativo da dor e melhora no sono e outros sintomas, as evidências de ensaios clínicos randomizados são limitadas e frequentemente questionadas quanto à objetividade.[8]Berger AA, Keefe J, Winnick A, Gilbert E, Eskander JP, Yazdi C, Kaye AD, Viswanath O, Urits I. Cannabis and cannabidiol (CBD) for the treatment of fibromyalgia. Best Practice & Research Clinical … Continue reading
Outra revisão enfatizou a necessidade de desenvolvimento adicional de modelos animais e estudos equilibrados para eliminar o preconceito sexual na pesquisa pré-clínica, visando, em última análise, uma melhor tradução entre a pesquisa pré-clínica e clínica.[9]Bourke SL, Schlag AK, O’Sullivan SE, Nutt DJ, Finn DP. Cannabinoids and the endocannabinoid system in fibromyalgia: A review of preclinical and clinical research. Pharmacology & … Continue reading
Um estudo randomizado experimental sobre os efeitos analgésicos da cannabis de grau farmacêutico, que incluía CBD, descobriu que, embora algumas variedades de cannabis contendo THC mostrassem um aumento significativo no limiar de dor à pressão, as respostas analgésicas gerais eram modestas e complexas, indicando a necessidade de estudos adicionais para determinar os efeitos e interações de longo prazo entre THC e CBD.[10]van de Donk T, Niesters M, Kowal MA, Olofsen E, Dahan A, van Velzen M. An experimental randomized study on the analgesic effects of pharmaceutical-grade cannabis in chronic pain patients with … Continue reading
Referências Bibliográficas
↑1 | De Gregorio D, McLaughlin RJ, Posa L, Ochoa-Sanchez R, Enns J, Lopez-Canul M, Aboud M, Maione S, Comai S, Gobbi G. Cannabidiol modulates serotonergic transmission and reverses both allodynia and anxiety-like behavior in a model of neuropathic pain. Pain. 2019 Jan 1;160(1):136-50. |
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↑2 | Zhang HX, Bean BP. Cannabidiol inhibition of murine primary nociceptors: tight binding to slow inactivated states of Nav1. 8 channels. Journal of Neuroscience. 2021 Jul 28;41(30):6371-87. |
↑3 | Silva-Cardoso GK, Lazarini-Lopes W, Primini EO, Hallak JE, Crippa JA, Zuardi AW, Garcia-Cairasco N, Leite-Panissi CR. Cannabidiol modulates chronic neuropathic pain aversion behavior by attenuation of neuroinflammation markers and neuronal activity in the corticolimbic circuit in male Wistar rats. Behavioural Brain Research. 2023 Aug 24;452:114588. |
↑4 | Shah S, Schwenk ES, Sondekoppam RV, Clarke H, Zakowski M, Rzasa-Lynn RS, Yeung B, Nicholson K, Schwartz G, Hooten WM, Wallace M. ASRA Pain Medicine consensus guidelines on the management of the perioperative patient on cannabis and cannabinoids. Regional Anesthesia & Pain Medicine. 2023 Mar 1;48(3):97-117. |
↑5 | Pisani S, McGoohan K, Velayudhan L, Bhattacharyya S. Safety and tolerability of natural and synthetic cannabinoids in older adults: a systematic review and meta-analysis of open-label trials and observational studies. Drugs & Aging. 2021 Oct;38:887-910. |
↑6 | Velayudhan L, McGoohan K, Bhattacharyya S. Safety and tolerability of natural and synthetic cannabinoids in adults aged over 50 years: A systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine. 2021 Mar 29;18(3):e1003524. |
↑7 | Boehnke KF, Gagnier JJ, Matallana L, Williams DA. Cannabidiol use for fibromyalgia: prevalence of use and perceptions of effectiveness in a large online survey. The journal of pain. 2021 May 1;22(5):556-66. |
↑8 | Berger AA, Keefe J, Winnick A, Gilbert E, Eskander JP, Yazdi C, Kaye AD, Viswanath O, Urits I. Cannabis and cannabidiol (CBD) for the treatment of fibromyalgia. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology. 2020 Sep 1;34(3):617-31. |
↑9 | Bourke SL, Schlag AK, O’Sullivan SE, Nutt DJ, Finn DP. Cannabinoids and the endocannabinoid system in fibromyalgia: A review of preclinical and clinical research. Pharmacology & therapeutics. 2022 Dec 1;240:108216. |
↑10 | van de Donk T, Niesters M, Kowal MA, Olofsen E, Dahan A, van Velzen M. An experimental randomized study on the analgesic effects of pharmaceutical-grade cannabis in chronic pain patients with fibromyalgia. Pain. 2019 Apr 1;160(4):860-9. |