Nos últimos textos, um tema parece ter se repetido, mesmo que de forma coadjuvante. Não é por menos, falar da loucura parece ainda um estigma. Há um temor que circula o terreno da loucura, talvez por isso exista tanto preconceito com aquilo que é de ordem subjetiva e, até mesmo, com a procura por um profissional da psicologia.
Temos medo das classificações. Temos medo de sermos considerados loucos.
E não estamos errados em nos sentirmos amedrontados com a ideia de loucura. Primeiro, porque sabemos o que fizeram com quem foi considerado louco, no passado. Segundo, porque a loucura, quando não patológica, é uma forma de assumir um posicionamento que diverge do que é classificado como norma, em uma sociedade. E fugir da norma, implica em um trabalho de constância consigo mesmo.
Dito isso, quero propor pensarmos sobre o modo como a loucura é tratada na contemporaneidade.
A loucura e a psiquiatria
Os finais que iniciam com perguntas quase que introdutórias, hipnotizam. Existe algo de poético nas questões. “Qual o futuro da psiquiatria?”. Nada menos que uma revolução, aponta o autor de Our Psychiatric Future (2019)… Para Nikolas Rose, a psiquiatria precisa de reformulação, baseada em evidências objetivas e científicas.
Em relação à loucura, a psiquiatria que temos acesso, dedica-se a um órgão central no processo de tratamento. Falamos já sobre a importância de que o tratamento para o sofrimento psíquico, precisa envolver outros aspectos, além da medicalização. É claro que, tomar uma pílula produz a sensação de que o tratamento pode ser mais rápido do que de fato é. E muita gente não quer se demorar em si mesmo, ou nas suas loucuras.
Somos parte do clube do desempenho, dos sujeitos que não param, que estão freneticamente pensando e produzindo. Devido a isso, medicar um órgão continua sendo mais barato, rápido e simples de ser tratado, do que encarar o processo da terapia, por exemplo. As condições de tratamento são restritamente pensadas apenas por quem, da loucura e do sofrimento psíquico, ouve apenas o que serve a um diagnóstico.
Em suma, o fazer psiquiátrico, disponível a maior parte da população é, é um fazer que conduz o sujeito a uma condição de sobrevida, de vida-morrida, por meio de um movimento de cerebralização (ROSE, 2019) da condição humana. Ou seja, um tratamento feito a partir da medicalização de um órgão.
Isso acontece porque, grande parte das categorizações de doenças psíquicas continuam sendo baseadas em fatores biológicos, negando a complexa teia causal que resulta na vida humana.
Não há muito tempo, o Brasil foi palco do movimento da luta antimanicomial, que surgiu com o objetivo de reformar o sistema psiquiátrico brasileiro, que era conhecido pelo tratamento designado aos ditos loucos. Muitas pessoas sofreram e morreram nessas instituições, o que nos faz pensar sobre o que se faz com quem é considerado anormal, dentro de uma sociedade. E sabemos que, não precisa-se de muito para fugir da norma.
Vivemos em um espaço-tempo no qual a vida humana é sucateada. Vida que parece só ganhar expressão sincera de vida potente quando sofre ou adoece psiquicamente, como já dito aqui. Assim, o tratamento via “cerebralização”, ou, a medicalização do sofrimento, parece atender uma demanda que não é só da indústria farmacêutica, dos profissionais psis, dos discursos sobre normalidade/anormalidade. Pois atende, antes de tudo, a produção incessante de corpos que não podem “perder tempo” com as próprias demandas da vida humana-social-familiar-relacional.
Por isso mesmo, diz-se que o cérebro é o responsável pelo adoecimento psíquico. Existe sim aspectos transtornos e condições psíquicas que são apenas de ordem neurológico. É preciso considerar os aspectos biológicos quando falamos de saúde mental, sem dúvida. A questão aqui é que o que se tem percebido, via de regra, é o tratamento feito apenas com o uso de remédios.
Mas como fugir disso? Como fugir da medicalização como única saída?
Penso que a resposta está nos movimentos que realmente buscam um outro modo de entender e tratar a loucura, a depressão, a ansiedade e, tudo que faz parte do psiquismo. Não se pode continuar a aceitar o lugar que é dado a quem procura tratamento, não no sentido literal da palavra: paciente, aquele que espera. A voz da pessoa em sofrimento precisa ser ouvida, quando esta busca por ajuda. E se, no caso de procura por ajuda médica, você sentir que não foi ouvido, procure outro profissional.
O futuro da psiquiatria
Em relação ao futuro da psiquiatria, o que tem-se visto até aqui, são “transformações” em andamento, que demonstram que as preocupações com um “novo” fazer psiquiátrico, ou porque não dizer, uma psiquiatria social, apontam outros caminhos. Caminhos que poderiam guiar os saberes médicos a um compartilhamento transversal de saberes, que dá voz e vez ao sujeito-paciente.
Com isso posto, talvez possamos abandonar a ideia de uma epidemia de saúde mental, dado que o que vivemos é uma categorização massiva do sofrimento psíquico. O que nos leva inclusive a uma outra questão, que diz da banalização dos diagnósticos. Não podemos continuar reféns das categorizações psiquiátricas. Nem todo sintoma de ansiedade e tristeza deve ser categorizada como transtorno psíquico. É preciso analisar o contexto social, compreender e ouvir o que o sujeito diz e qual sua queixa.
Como menciona Rose (2019) não seremos capazes de entender, quanto mais melhorar, a incidência das doenças psíquicas se focarmos em um método que parte do princípio de que estas são doenças do cérebro, considerando o ambiente apenas um conjunto de fatores pouco importantes. As medicações psiquiátricas são sim importantes em muitos casos, contudo, não podem ser a primeira e única saída, quando se trata de sofrimento psíquico.
Por fim, gostaria de indicar o filme nacional Nise – o coração da loucura. O filme retrata o importante papel de Nise da Silveira, médica psiquiatra que transformou o fazer psiquiátrico no Brasil.
Referência:
ROSE, Nicholas. Our Psychiatric Future: The Politics of Mental Health. Cambridge: Polity Press, 2019.