Diante do término de um relacionamento muita coisa vem à tona. São emoções e pensamentos repetitivos que misturados resultam em uma confusão psíquica. É difícil saber por onde começar quando se termina. Somos inundados por sentimentos que se tornam físicos, é como se a ansiedade tomasse uma forma concreta que reverbera no corpo. A barriga dói, a cabeça dói, o enjoo chega. O corpo dá sinais de que sabe que algo não está bem. E não está. Mesmo quando o término parece a única saída, ainda assim, terminar um relacionamento é uma tarefa complexa, pois demanda um ato de reaver questões pessoais que, em muitos casos, foram deixadas de lado para dar seguimento a relação. Sempre me questiono: por que continuamos então? Das tantas respostas possíveis, o apego emocional parece sempre estar envolvido ante a essa situação.
Conversando com um amigo que há poucos dias terminou um relacionamento, pedi a ele que, livremente, escrevesse algo sobre o final. Não tinha a pretensão de escrever sobre apego emocional, minha questão era com o término, queria esmiuçá-lo, analisar o que se repete na cabeça de quem acabara de acabar, mas parece ficar evidente a conexão do apego em sua escrita.
Vamos ao relato:
“ – ‘Ela não é a única pessoa do mundo’, disse um amigo quando falei sobre o sentimento de que nunca encontraria alguém com as qualidades e com a compatibilidade de valores que tinha a pessoa da qual eu estava acabando de me separar.
Ele ainda complementou: “Sei que parece assim agora, mas isso já aconteceu comigo duas vezes e eu continuei encontrando pessoas maravilhosas”. Aí fiquei parado nesse vácuo do tempo esperando e querendo que o tempo passasse logo pra curar toda aquela dor que eu estava sentindo.
É meio ridículo ter que esperar e acho que desaprendi, já esperei muito na vida, me considero um ser com bastante paciência, pois sendo filho de agricultores sei que hora a safra não vai bem e é necessário esperar 1 ano para tentar de novo. Planejamento a médio e longo prazo são coisas que aprendi desde pequeno, quando eu deixava de brincar com meus primos para ficar na cozinha durante a o café da tarde de domingo, fingindo que estava brincando enquanto estava, na verdade, ouvindo os assuntos dos adultos.
Achava meio mágico tudo aquilo, parecia uma outra vida, um outro tempo, coisa mágica, então óbvio que eu queria ser adulto. A adolescência foi péssima e depois de alguns natais celebrados em família, e outros que eu fugi pedalando de bicicleta, os anos se passaram. Agora estou com 30 anos, me separando de um relacionamento de 1 ano e alguns meses, que sinto com uma intensidade que parece ter sido de uma vida inteira. E claro que a dor deve ser proporcional a intensidade toda…”
Muitas questões se apresentam aí, que não dizem só do término. Esse relato parece, de algum modo, representar a confusão psíquica que é experimentada por vários outros sujeitos diante do fim da relação. O que, em suma, poderia resultar em um método prático para viver o fim – já que são sentimentos e pensamentos que se repetem em diversos casos de término –, acompanhado de respostas prontas e frases que guiam a um recomeço, mas isso não é possível. E não é possível porque terminar com um outro demanda um reencontro, esse que é muito particular, e que é vivido por cada um de modo diferente.
Término e apego emocional: sobre idealização do outro e o medo do novo
Quando uma relação acaba sentimos que algo de nós acaba também. E de fato acaba, porque o término cinde com a idealização que fazíamos do parceiro e do casal que se formava junto deste.
A idealização é um processo psíquico pelo qual projeta-se aquilo tudo que se deseja em um parceiro, que sempre é da ordem do ideal e sem espaço para falha. É um arquétipo que se organiza entorno de uma imagem, que representa o que consideramos bom e adequado para nós e que precisa ser atendido pelo outro da relação. É junto da idealização que se produz pensamentos como o do relato acima: “nunca vou encontrar alguém igual a essa pessoa”. E de fato, não vai. Mas não vai porque aquela pessoa estava vinculada a um ideal, era nosso desejo refletido e materializado.
A idealização não reflete apenas nossa demanda urgente de que alguém atenda todos nossos desejos e expectativas, mas diz também sobre uma outra idealização: a construção da família. Daí a importância de que alguém corresponda ao nosso ideal de par, dado que estamos buscando um outro para realizar um ato grandioso que é a construção de uma nova família. Essa então, que precisa dar conta de preencher aquilo que “faltou” na família de origem.
A construção de uma nova família com o par idealizado cria uma noção de urgência, de pressa, principalmente quando isso tudo carrega o peso da idade cronológica, que nesses casos é sentida como cobrança. Nos cobramos por não termos encontrado ainda alguém ideal para constituir uma família, porque nossa concepção de vida adulta está frequentemente atrelada a isso: a união com um outro, que comigo irá inaugurar uma nova família.
Precisamos considerar isso tudo quando enfrentamos a dor do término. A dor é real, sentimos falta da presença do outro, da rotina e dos desejos construídos com o par. A intensidade descrita na fala citada também é real. Não há como apressar a dor. Todos os sentimentos e pensamentos que resultam da experiência do término são também decorrentes do apego emocional. Cabe lembrar que o apego emocional não está conectado apenas ao outro e aquilo que foi vivido com esse outro; o apego emocional refere-se também a idealização do par e tudo aquilo que se projetou nessa relação.
Sobretudo, os sentimentos que experimentamos ante a um término são derivados do que está por vir. Até então estávamos acostumados com o outro, com o que éramos junto desse outro, com a rotina. Quando uma relação termina, essas certezas que se construíram terminam também. Não há como saber o que vem depois da dor, depois de um fim. O novo assusta tanto quanto o final. Mas uma certeza podemos ter: existem outras pessoas no mundo.