Nesta artigo, iremos explorar os conceitos de BI-RADS 2 e BI-RADS 3, discutindo se uma lesão classificada inicialmente como BI-RADS 2 pode ser reavaliada e posteriormente classificada como BI-RADS 3. Também abordaremos estudos relevantes e revisões sistemáticas, quando disponíveis, para embasar as conclusões apresentadas.
1. ENTENDENDO A CLASSIFICAÇÃO BI-RADS
A classificação BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Data System) foi desenvolvida pelo American College of Radiology (ACR) para padronizar laudos de mamografia, ultrassonografia e ressonância magnética das mamas. Ela é composta por categorias numeradas de 0 a 6, cada uma refletindo um grau de preocupação ou certeza diagnóstica:
- BI-RADS 0: Exame inconclusivo, sendo necessário exame complementar ou comparação com exames anteriores.
- BI-RADS 1: Exame negativo (sem achados anormais).
- BI-RADS 2: Achados benignos (garantia de benignidade).
- BI-RADS 3: Achados provavelmente benignos (chance de malignidade <2%), recomendando-se acompanhamento de curto intervalo.
- BI-RADS 4: Achados suspeitos, indicando a necessidade de biópsia (variação na probabilidade de malignidade).
- BI-RADS 5: Altamente sugestivo de malignidade (chance de malignidade >95%).
- BI-RADS 6: Malignidade confirmada por biópsia.
O objetivo principal desse sistema é tornar a comunicação mais clara entre o radiologista, o médico assistente e o paciente, além de padronizar a conduta a ser seguida após cada classificação.
2. O QUE SIGNIFICA BI-RADS 2?
2.1. Achados Definitivamente Benignos
A categoria BI-RADS 2 indica que o exame identificou achados cuja natureza benigna é praticamente indiscutível. Exemplos comuns incluem:
- Cistos simples.
- Linfonodos intramamários típicos.
- Calcificações vasculares ou outras calcificações sabidamente benignas.
- Lipomas ou fibroadenomas com características clássicas.
Nessa categoria, não há indicação de acompanhamento de curto intervalo especificamente para o achado em questão; normalmente recomenda-se o rastreamento de rotina (por exemplo, mamografia anual ou bienal, dependendo das diretrizes adotadas em cada país).
2.2. Probabilidade de Câncer em BI-RADS 2
Por definição, a probabilidade de câncer em BI-RADS 2 é essencialmente zero, pois a imagem demonstra características de benignidade inequívocas. Portanto, a conduta é apenas o seguimento habitual, sem necessidade de biópsia ou preocupação adicional.
3. O QUE SIGNIFICA BI-RADS 3?
3.1. Achados Provavelmente Benignos
A categoria BI-RADS 3 refere-se a lesões “provavelmente benignas”, com uma probabilidade de malignidade menor que 2%. Exemplos podem incluir:
- Pequenos nódulos sólidos circunscritos com características sugestivas de fibroadenoma, mas não absolutamente típicas.
- Cistos complicados, desde que sem achados altamente suspeitos.
- Áreas de assimetria focal que se mostram estáveis, mas exigem curto intervalo para maior certeza.
3.2. Conduta em BI-RADS 3
O padrão é o acompanhamento em curto intervalo, geralmente em 6 meses, para avaliar estabilidade. Caso o achado permaneça estável por pelo menos 2 anos (ou alguns ciclos de controle sem alterações significativas), costuma-se reclassificá-lo como BI-RADS 2.
4. PODE UM ACHADO BI-RADS 2 “EVOLUIR” PARA BI-RADS 3?
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4.1. Conceito de “Evolução” na Prática Clínica
Em princípio, uma lesão genuinamente BI-RADS 2 não deve “progredir” para BI-RADS 3 sem que haja mudança real em suas características radiológicas. A BI-RADS 2 sinaliza benignidade confirmada, ou seja, o achado apresenta morfologia e comportamento tão típicos que não há dúvidas quanto à sua natureza. Se um achado sofre alterações entre exames, ou se um novo exame traz dúvidas que não existiam antes, isso pode levar a uma reclassificação.
Entretanto, não se trata de “evolução natural” de um BI-RADS 2 para 3, e sim de um novo achado ou alteração que gere uma incerteza diagnóstica.
4.1.1. Possíveis Cenários em que Pode Ocorrer Reclassificação
- Alteração de tamanho ou contorno: Um nódulo antes considerado fibroadenoma típico pode mudar de formato ou densidade. Isso gera dúvida e pode resultar em BI-RADS 3 ou até BI-RADS 4, dependendo do grau de suspeita.
- Surge um achado adicional ou sobreposição: Em um novo exame, identificam-se características não vistas anteriormente, como microcalcificações atípicas na região ou distorção arquitetural leve.
- Interpretação prévia revisada: Pode haver revisão de exames anteriores por outro radiologista que julga não estarem tão claros os critérios de benignidade. Assim, pode-se optar por classificar como BI-RADS 3 e acompanhar a curto prazo.
4.2. Probabilidade de Malignidade ao Migrar de BI-RADS 2 para 3
A rigor, se a classificação inicial estava correta, a chance de malignidade era nula ou muito próxima de zero no momento em que se descreveu como BI-RADS 2. A decisão de reclassificar de 2 para 3 implica a descoberta de algo novo ou alguma mudança que torne a lesão “provavelmente benigna” (com <2% de chance de malignidade), mas ainda não benignidade absoluta.
Nesse caso, recomenda-se acompanhamento de curto intervalo para descartar crescimentos ou alterações suspeitas.
5. EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E ESTUDOS RELEVANTES
Estudos e revisões sistemáticas sobre BI-RADS costumam focar mais na evolução de BI-RADS 3 para 4 ou 5, ou na precisão diagnóstica para detectar câncer. Há menos publicações específicas detalhando a reclassificação de BI-RADS 2 para BI-RADS 3, pois esse evento não é comum quando as imagens são nitidamente benignas.
5.1. Revisões sobre Resultados de BI-RADS 3
- Revisões sistemáticas indicam que a taxa de malignidade em BI-RADS 3 gira em torno de 0,5% a 2% na maioria dos estudos, justificando o acompanhamento de curto prazo.
- De acordo com estudos retrospectivos, a maior parte das lesões BI-RADS 3 permanece estável ao longo do tempo, podendo ser reclassificada para BI-RADS 2 depois de múltiplos exames de acompanhamento sem alterações.
5.2. Erros de Classificação e Variabilidade Interobservador
Em alguns trabalhos sobre a variabilidade interobservador na classificação BI-RADS (comparando diferentes radiologistas), observa-se que, ocasionalmente, nódulos evidentes como fibroadenomas (que deveriam ser BI-RADS 2) podem ser classificados como BI-RADS 3 por precaução, ou vice-versa. Essa diferença ocorre por nuances de interpretação das imagens.
6. CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS IMPORTANTES
- Consistência em Achados: Lesões estáveis ao longo dos anos tendem a ser definitivamente benignas, solidificando a classificação BI-RADS 2.
- Fatores de Risco e História Familiar: Ainda que a lesão seja BI-RADS 2, pacientes com alto risco (p. ex., mutações em genes BRCA) podem ter seguimento mais rigoroso.
- Importância da Comparação com Exames Anteriores: Um dos pilares para manter BI-RADS 2 é a estabilidade do achado em mamografias ou ultrassonografias anteriores.
- Qualidade da Imagem: Artefatos ou exames de baixa qualidade podem levar a interpretações equivocadas, ocasionando reclassificações desnecessárias.
7. CONCLUSÃO
- BI-RADS 2 representa achados definitivamente benignos, onde não há suspeita de malignidade. Dessa forma, a recomendação costuma ser apenas manter a rotina normal de rastreamento, sem necessidade de biópsia ou acompanhamento imediato.
- Para que uma lesão rotulada como BI-RADS 2 seja posteriormente reclassificada como BI-RADS 3, é preciso que haja alguma alteração de imagem, aparência ou interpretação que gere dúvida. Na prática, não se trata de “evolução natural” de uma lesão, mas sim de uma percepção recente de características antes não identificadas ou de real mudança estrutural ao longo do tempo.
- A chance de malignidade ao se converter de BI-RADS 2 para 3 ainda seria muito baixa (<2%), pois a categoria 3 implica uma forte probabilidade de benignidade, mas demanda acompanhamento de curto prazo para confirmar estabilidade.
Em resumo, é improvável que um achado genuinamente BI-RADS 2 (totalmente benigno) sofra alterações e se torne BI-RADS 3, a menos que exista uma nova evidência clínica ou radiológica que justifique essa mudança. Em tais casos, o raciocínio é que houve uma nova avaliação ou uma modificação real na lesão, e não simplesmente que uma lesão antes benigníssima “evoluiu” sem qualquer justificativa.
REFERÊNCIAS
- American College of Radiology. ACR BI-RADS® Atlas, Breast Imaging Reporting and Data System. 5th ed. Reston, VA: American College of Radiology; 2013.
- D’Orsi CJ, Sickles EA, Mendelson EB, et al. ACR BI-RADS®—Mammography. In: ACR BI-RADS® Atlas, Breast Imaging Reporting and Data System. American College of Radiology; 2013.
- Berg WA, Blume JD, Cormack JB, et al. “Lesion Detection and Characterization in a Breast Ultrasound Screening Program.” Radiology. 2006;239(3): 631-639.
- Elmore JG, Wells CK, Lee CH, Howard DH, Feinstein AR. “Variability in radiologists’ interpretations of mammograms.” N Engl J Med. 1994;331(22):1493-1499.
- Sickles EA, D’Orsi CJ, Bassett LW, et al. “ACR BI-RADS® Follow-up and Outcome Monitoring.” In: ACR BI-RADS® Atlas, Breast Imaging Reporting and Data System. American College of Radiology; 2013.