A maioria das pesquisas que analisam o impacto das mudanças climáticas na vida humana se concentra em como eventos climáticos extremos afetam em larga escala os resultados econômicos e sociais da saúde.
No entanto, essas transformações podem ter uma forte influência nas atividades humanas diárias fundamentais, provocando assim uma série de repercussões comportamentais, psicológicas e fisiológicas essenciais para o bem-estar.
Em estudo publicado no último dia 20 de maio na revista One Earth, pesquisadores da Universidade de Copenhague relatam que o aumento da temperatura ambiente afeta negativamente o sono humano em todo o mundo.
A equipe aponta para descobertas que sugerem que, até o ano de 2099, temperaturas acima do ideal podem prejudicar cerca de 50 a 58 horas de sono de cada pessoa no período ano. Além disso, eles descobriram que o efeito da temperatura na perda de sono é significativamente ampliado em residentes de países de baixa renda, bem como para adultos mais velhos e mulheres.
Os resultados indicam que o sono – um processo de restauração essencial para a saúde e produtividade humana – pode ser degradado por temperaturas mais quentes. Esse é um aspecto que passa a ser relevante, portanto, na tomada de decisões sobre políticas climáticas, que se estendem para o futuro a partir das escolhas sociais de emissões de gases de efeito estufa que são feitas nos dias de hoje.
Há muito se sabe que os dias quentes aumentam as mortes e hospitalizações e pioram o desempenho humano, mas os mecanismos biológicos e comportamentais subjacentes a esses impactos ainda não são bem compreendidos.
Dados auto-relatados recentes dos Estados Unidos sugeriram que a qualidade subjetiva do sono diminui durante os períodos de clima quente, mas ainda não está claro para a ciência como as flutuações de temperatura podem afetar nos resultados objetivos de qualidade do sono nas pessoas que vivem em diferentes regiões climáticas do mundo.
Este é o primeiro estudo a evidenciar em escala planetária que temperaturas acima da média prejudicam o sono humano. Esse comprometimento ocorre principalmente com o atraso no tempo que as pessoas levam para adormecer e prolongando o horário que costumam acordar quando a temperatura está quente.
METODOLOGIA
Para conduzir a pesquisa, os pesquisadores usaram dados globais de sono, coletados de anônimos usuários de pulseiras de rastreamento de sono baseadas em acelerômetros.
Os dados incluíram 7 milhões de registros de sono noturno de mais de 47.000 adultos em 68 países, abrangendo todos os continentes, exceto a Antártida. As medidas obtidas a partir das pulseiras usadas neste estudo mostraram-se anteriormente alinhadas com medidas independentes de vigília e sono.
O estudo sugeriu que em noites muito quentes (acima de 30 graus Celsius, ou 86 graus Fahrenheit), o sono diminui em média pouco mais de 14 minutos. A probabilidade de dormir menos de sete horas também aumenta à medida que as temperaturas aumentam.
O corpo humano é altamente adaptado para manter uma temperatura corporal estável, algo de que nossas vidas dependem.
No entanto, todas as noites esses mesmos corpos fazem algo significante que a maioria de nós ainda não tem consciência: eles liberam calor do nosso núcleo para o ambiente ao redor, dilatando nossos vasos sanguíneos e aumentando o fluxo sanguíneo para nossas mãos e pés.
Os pesquisadores apontam que, para que os nossos corpos transfiram calor, o ambiente ao redor precisa ser mais frio do que nós.
Os primeiros estudos controlados de sono, realizados em laboratórios, mostraram que humanos e animais tem um sono de pior qualidade quando a temperatura ambiente está muito quente ou muito fria.
Mas essa pesquisa se tornou limitada por reproduzir um contexto que as pessoas praticam no mundo real: elas modificam a temperatura do ambiente de sono para ficar mais confortável para dormir, seja utilizando ar-condicionado ou ventilador.
Na pesquisa atual, os pesquisadores descobriram que, sob rotinas normais de vida, as pessoas parecem muito melhores em se adaptar a temperaturas externas mais frias do que a condições mais quentes. Ao longo das estações, demografia e contextos climáticos diferentes, as temperaturas externas mais quentes prejudicam consistentemente o sono, com a quantidade de perda de sono aumentando progressivamente à medida que as temperaturas se tornam mais quentes.
Uma observação importante foi que as pessoas nos países em desenvolvimento parecem ser mais afetadas por essas mudanças. É possível que a maior prevalência de ar condicionado em países desenvolvidos possa desempenhar um papel, mas os pesquisadores não conseguiram identificar definitivamente o motivo porque não tinham dados sobre o acesso ao ar condicionado entre os indivíduos.
Os pesquisadores também observam que, como descobriram evidências convincentes de que o impacto do aquecimento das temperaturas na perda de sono é desigual globalmente, novas pesquisas devem considerar especialmente as populações mais vulneráveis, particularmente aquelas que residem nas regiões mais quentes e historicamente mais pobres do mundo.
Os pesquisadores relataram ainda que em trabalhos futuros gostariam de colaborar com cientistas climáticos globais, pesquisadores do sono e fornecedores de tecnologia para ampliar o escopo das análises globais de sono e seu comportamento para outras populações e contextos.
Além disso, se apresentaram como interessados em estudar o impacto do aumento da temperatura externa sobre os resultados do sono de populações encarceradas situadas em climas quentes, que podem ter acesso particularmente limitado ao ar condicionado.
Esta pesquisa foi apoiada pela Agência Dinamarquesa para o Ensino Superior e Ciência e o Fundo Independente de Pesquisa da Dinamarca.
Leia o Estudo: http://dx.doi.org/10.1016/j.oneear.2022.04.008