Quando um bebê chega a família, as primeiras preocupações entorno de seu nascimento são, na verdade, vinculadas a anseios e desejos de seus pais e familiares. Desde a preocupação com o nome, as roupas que irá vestir… Tem quem se adiante e idealize uma futura profissão. Tudo isso compõe um território, no qual a criança irá viver seu desenvolvimento. Esse “território” é que que o psicólogo Jacob Levy Moreno, nomeou de “matriz de identidade”.
Através desse conceito, Moreno (citado por GONÇALVES et al, 1988), explica que a matriz de identidade é o espaço físico e virtual que o bebê ocupa dentro de sua família. Estes espaços se caracterizam por condições sócio-econômicas, culturais e relacionais, e que assim predeterminam o ambiente em que a criança se desenvolverá.
Este espaço ainda abarca expectativas em relação a quem será este bebê e o que ele modificará nesta família. Todos estes fatores conjuntos: questões socioeconômicas, ambientais, cuidadores da criança, irão produzir efeitos subjetivos na criança. Tendo papel fundamental em seu desenvolvimento, sendo o “ponto de partida para o seu processo de definição como indivíduo” (1988, p. 59).
Desse modo, podemos compreender a matriz de identidade, como sendo aquilo que rege a comunicação da criança com o mundo. São os familiares e as pessoas que compõem a matriz de identidade do bebê, que irão “traduzir” o mundo para essa criança. Um exemplo disso, é quando o bebê chora e a mãe oferece a ele o seio, a chupeta, ou um afago. Ao fazer isso, é como se a mãe dissesse a criança que seu choro tem um significado.
As fases de desenvolvimento da criança
Ao nascer, a criança não assimila o mundo externo a ela. No princípio de seu desenvolvimento, o mundo é atrelado a figura materna, dado que o bebê ainda não se reconhece como um sujeito total. Esta fase é chamada de 1º tempo do Primeiro Universo, onde a criança vive apenas o presente e não distingue pessoas de objetos (1998, p. 60).
Passado algum tempo, o bebê adentra em uma nova fase de seu desenvolvimento. É o que Moreno, categorizou como o 2º tempo do Primeiro Universo. Fase marcada pela assimilação da criança enquanto indivíduo-próprio, compreendendo que ela e a figura materna são distintas. Os sonhos, relações de distância e distinção entre pessoas e objetos, são características desta fase. Contudo, nesse momento a criança ainda vive num mundo de fantasias, e vai, pouco a pouco, compreendendo as distinções entre o que é real e o que é de ordem imaginativa.
Na matriz de identidade, é a partir dessa brecha, entre fantasia e realidade, que Moreno divide o desenvolvimento da criança em três fases (1998, p. 62):
- Fase do Duplo – criança precisa do outro para fazer o que ela não consegue fazer sozinha (ego-auxiliar).
- Fase do Espelho – a criança reconhece o outro e esquece de si.
- Fase da Inversão – tomada e inversão de papéis.
A fase da inversão de papéis nos é importante para compreender como a criança assimila determinadas funções sociais.
A tradução do mundo para a criança
Para Moreno (apud Gonçalves et al, 1998, p. 66), a teoria dos papéis é o modo pelo qual se faz possível analisar como, determinado indivíduo, atribuí significância a um papel social. O papel, dentro da teoria, pode ainda ser entendido como “[…] a forma de funcionamento que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica […]” (1998, p. 67).
Um papel, representa ainda uma parte, uma função ou a cristalização do modo como se aprendeu a ser e a desempenhar algo específico. Um exemplo disso é como aprendemos a ser pais, nos espelhando nos pais que tivemos. Esse exemplo torna claro que os papéis sociais não são algo novo na vida do indivíduo, já que tem origem na matriz de identidade, enquanto ainda somos crianças.
Desse modo, podemos dizer que é na matriz de identidade que aprenderemos, primeiramente, sobre os papéis sociais. São nas primeiras fases do desenvolvimento infantil que, por intermédio da figura do outro, internalizaremos o conceito de figuras sociais. Aprendemos ser irmãos, observando nossos irmãos. Aprendemos a ser amigos, observando e trocando com nossos próprios amigos. E assim, consecutivamente.
É preciso atentar para a importância que a família, e todos aqueles que compõem a matriz de identidade do bebê, têm nos primeiros momentos de seu desenvolvimento. Visto que são estes que irão traduzir o mundo para a criança, e que irão ensiná-la sobre os papéis sociais, é primordial criar um ambiente que seja seguro e capaz de auxiliar a criança, na descoberta do mundo e das pessoas.
Dependendo do modo como se introjeta o papel do outro, essa internalização pode também facilitar uma psicopatologia: “O sujeito neurótico internalizou a figura do outro como uma presença dominante, perante a qual o próprio sujeito se posiciona como ente secundário” (Romero, 1997, p. 165, apud Tenório, 2003, p. 39).
O que quero dizer com isso é que, quando os pais não conseguem traduzir e valorizar determinada experiência da criança, ela pode não ser capaz de assimilá-la sozinha, pois é integralmente dependente da relação com o outro, nas primeiras etapas de seu desenvolvimento. O bebê então depende de um outro, que a ele traduza o mundo, e quando esse mundo não o é acolhedor, a criança introjeta sua experiência como algo negativo (2003, p. 38-39). Podendo, como resultado, produzir efeitos subjetivos de grande impacto na construção de sua identidade.
Para concluir, auxiliar uma criança em seu desenvolvimento é tarefa árdua e complexa. Moreno, acreditava em um sujeito que nasce espontâneo, criativo e sensível. Mas, por meio de seu desenvolvimento e intermédio de suas relações, essas características espontâneas e criativas tendiam a se inibir, com o passar dos anos e do desenvolvimento psicossocial.
Gosto muito de um vídeo intitulado “Children see, children do”, em tradução livre para o português: crianças veem, crianças fazem. Esse vídeo pode nos ajudar a pensar sobre como nossa presença, nossas ações e traduções, são determinantes nas vidas que criamos. E assim, compreender, que temos papel fundamental nos adultos que essas crianças se tornarão no futuro.
Referências:
Gonçalves, C. S. (1988). Lições de psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. São Paulo: Ágora.
TENÓRIO, Carlene Maria Diaz. A psicopatologia e o diagnóstico numa abordagem fenomenológica–existencial. IN: Universitas Ciências da Saúde – vol.01 n.01 – p. 31-44. 2003. Disponível em: http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/cienciasaude/article/view/493/315.